quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Se Eu Morresse Hoje

16/01/2008 – Bicicletada em homenagem a Márcia Regina de Andrade Prado, morta no dia 14 de janeiro, ao ser atropelada por um ônibus enquanto pedalava na Av. Paulista, em São Paulo. Foto de Paulo Fehlauer no Flickr em CC, alguns direitos reservados
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Texto de Verônica Mambrini*, publicado originalmente pelas Blogueiras Feministas
Se eu morresse hoje na Avenida Paulista, quando aquele motorista de ônibus me fechou intencionalmente, apenas para me dar uma lição, como logo depois ele confessou, seria só mais uma morte.
Mais uma moça que morreu na Paulista, indo para casa. A terceira provavelmente a ter uma ghost bike, mas certamente só mais uma de muitas que se perderam, entre pedestres, motoristas, ciclistas e motociclistas. Mais uma, uns 300 metros depois de uma bicicleta branca, outros tantos de outra, igualmente branca desbotada.
Vim minutos antes do incidente de um mar de vida, cheia do amor de amigos, cheia de planos, de projetos de trabalho. Por pouco, poderia ter sido morta por um capricho: “dar uma lição”.
É isso que o motorista pretendia com a fechada. Bastava um toque leve no meu guidão para me atirar sob toneladas de aço, sem remédio dependendo de como o veículo passasse sobre meu corpo e sobre a frágil estrutura metálica da minha bicicleta.
Para a arrogância e prepotência de quem pretende dar uma lição, seria uma morte branca, limpa. Apenas um tranco, algo como passar por cima de um cachorro na estrada. Algo que te chateia e estraga o dia, mas é, afinal, superável. Porque cachorros não deveriam cruzar estradas e ciclistas não deveriam andar na faixa “de ônibus”.
Ao menos eu não teria que pendurar mais uma ghost bike. Não teria que portar luto. Não teria que derramar mais lágrimas. Só passa por isso quem sobrevive, né?
Há mortes que são fatalidades. Essa morte eu não temo. Encaro com a face serena. Mas, não posso aceitar sem crispar no rosto a banalidade do mal. O motorista acha que precisa me ensinar, ao custo da minha vida, que não estou “na minha faixa”. Que uma regra que sequer está correta e amparada por lei justifica um comportamento doentio e inaceitável. Que tira tudo que temos como humanos.
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*Verônica é jornalista e escreve nos blogs Gata de Rodas e A Dupla Vida de Veronique.
~o~

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