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sábado, 9 de fevereiro de 2013
Uma Aluna Foi Assassinada
Defendo que questões de gênero são mais do que apenas variáveis relacionadas a divergências e congruências identificadas entre homens e mulheres - apesar da certeza de quem defende o contrário, o que considero que decorra de crenças naturalizantes, de cunho essencialista, acerca das relações de gênero.
Questões de gênero são cotidianas, continuamente atuais, são reforçadas ou desconstruídas ao longo do tempo, dos lugares e das culturas; integram-se de modo tão profundo em nossas vidas que, na maioria absoluta das vezes, sequer as notamos quando se apresentam. De forma semelhante à que não ficamos incessantemente alertas ao fato de que respiramos: o gênero nos cerca como a água aos peixes.
É comum que questões de gênero somente se revelem aos nossos olhos em momentos de crise, nos estados de instabilidade da vida, quando a água ao nosso redor tremula ou de repente fica turva.
Lamentavelmente, em nossa sociedade estruturalmente violenta, pautada por preconceitos e discriminações de toda espécie, violações, agressões e assassinatos de mulheres não são somente histórias deprimentes contadas nos jornais, elas podem ser vistas ao vivo por quem quer que olhe para dentro de sua casa, ou que ponha a cabeça para fora da janela.
Na noite de terça-feira passada, dia 5 de fevereiro de 2012, Silvia de Sousa Pinto, 27 anos, uma aluna da faculdade onde leciono, foi morta pelo companheiro, com duas facadas na barriga e uma no rosto. Silvia estava grávida dele, que não aceitava o fato.
Foto de Silvia, retirada de seu cartão do passe estudantil, divulgada pelos meios de comunicação.
Encontrei três matérias a respeito desse crime horrendo, ambas divergindo na forma de tratamento do caso, seja não divulgando os nomes dos envolvidos, seja dando tempos diferentes de gestação (veja essas reportagens aqui, aqui e aqui).
Eu soube do crime em sala de aula, na quinta-feira, quando outra professora avisou a respeito. Então, conversei com alunas e alunos sobre essa perda: mais uma mulher morta em uma relação conjugal conturbada, por um algoz próximo, mais um exercício nefasto de poder sobre um corpo feminino.
E mais do que isso, mais do que ser uma notícia da internet sobre o fim de mais uma vida anônima para o resto do mundo, era também a perda de mais uma vida única, de um talento potencial, de uma colega de estudos, de uma trabalhadora, de uma futura mãe, de uma criança não mais possível.
Ela não era mais um número, uma variável na fórmula fria do anedotário criminal. Ela era mais um ser humano destruído por esta cultura sexista e machista em que vivemos, em uma civilização que se acredita avançada, mas que, como humanidade, está deveras bestializada na relação entre os diferentes grupos que a compõem, e ainda trata mulheres como propriedade.
É preciso mais uma vez denunciar a violência, entretanto, não basta repudir o seu agente.
É preciso repensar e trabalhar, da forma como cada pessoa, grupo e instituição pode, para que o direito à integridade pessoal e à vida seja garantido, e que gênero não seja visto como assunto que só interessa a mulheres, mas como assunto indispensável a todas e a todos. Um tema que não se restringe às páginas dos artigos acadêmicos, que inspira, transpira e sangra nos lares, nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas.
Meus sentimentos à família e aos amigos de Silvia.
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