quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Leite para Novos S(ab)eres

"Deusa de assombrosas tetas
Gotas de leite bom na minha cara
Chuva do mesmo bom sobre os caretas"
(Vaca Profana, de Caetano Veloso).
*
Participei, como outros felizardos, em Natal, no Rio Grande do Norte, do Seminário Internacional Desfazendo Gênero: subjetividade, cidadania e transfeminismo, um grande encontro de pensadores arrojados, que circulam tanto na Academia quanto nas ruas do Brasil e do mundo, transformando as formas de lidar com o outro - ou pelo menos denunciando as prisões do padrão impostas aos viventes de gênero, dos gêneros, como Marie-Hélène Bourcier (saiba quem é clicando AQUI - em francês).
Como transfeminista com uma visão afrocentrada que sou, não posso deixar de fazer uma analogia entre essa reunião extraordinária e a encruzilhada, onde reina Exu, senhor da comunicação. Diferentes caminhos com a mesma direção ali, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cruzaram-se, para uma troca fascinante de ideias, saberes, sentimentos e toques.
Os organizadores do evento, em especial sua figura maior e guia, a inspiradora professora Berenice Bento (saiba quem é clicando AQUI) - amantíssima -, realizaram algo raro nos eventos científicos em geral: agregar não apenas especialistas de uma determinada área de conhecimento e seus admiradores, mas também pessoas apaixonadas pela temática da diversidade sexual e de gênero, dos estudos queer, transviados.
Nesse amálgama potencialmente inflamado, as reflexões foram ricamente apresentadas e discutidas, dentro e fora das salas, entre os seus debatedores oficiais nas mesas e aqueles corajosos que se alçavam das plateias para questionar ou problematizar. Intenso.
Entretanto, ao contrário de outros seminários e congressos internacionais nos quais os assuntos tratados se tornam de pesada digestão e os ouvintes tão-somente coadunam, submissos à titulação dos palestrantes, nesse as conversas se desdobravam de forma leve, até carinhosa. Sintoma da reunião de gente que honestamente reconhece o valor social - e porque não político - daquilo tudo que ouviam e falavam.
Ainda, como pesquisadora que se pauta por uma leitura psicológica e sócio-histórica da construção do real, não posso dizer que o sucesso do Desfazendo ocorreu por acaso, ou apenas em função do quilate dos nomes envolvidos ou do excelente trabalho da Comissão Organizadora. Não.
Olho para os seus movimentos e noto que eles decorrem de décadas de proposições, questionamentos, concordâncias e embates - em diferentes campos do pensamento e da ação - sobre tudo que ali era abordado por Djalma Thürler, Érika Kokay, Felipe Fernandes, Flávia Teixeira, Guilherme Silva de Almeida, Hailey Kaas, João W. Nery, Leandro Colling, Leilane Assunção, Luma Andrade, Patricia Porchat, Rafael de la Dehesa, Richard Miskolci, Roger Raupp Rios, Sandra Sposito, entre outros mais ou menos conhecidos, antigos e novos amigos: tensões e desejos acumulados que, neste agosto de 2013, eclodiram e foram elaborados eficazmente, num momento histórico e prazeroso para os estudos feministas e de gênero.
Valeu. Fertilidade de saberes e seres, propiciada por monstrinhos deliciosos e ousados, de modos próprios, para mim todos queridíssimos, como Hilan Bensusan, Leonardo Tenório, Letícia Lanz, Luísa Helena Stern e Viviane V., que circularam pelos corredores e calçadas da universidade falando de coisas que chocariam outras audiências - de cus, que produzem merda, que é o húmus da terra; do reinado autocrático dos pênis e das vaginas; das pessoas transgênero e cisgênero, até mesmo das "cisco", que se propunham a perturbar o olhar tenebroso da heteronormatividade e do sexismo. Dentre elas, a professora Larissa Pelúcio trouxe a público a defesa de estudos cu-
carachas - para mim perfeita transliteração, para o mundo latino-americano, dos estudos queer.
Seminário Internacional Desfazendo Gênero, vaca profana como a da canção de Caetano Veloso, nutriu tanto a nós, que nos refestelávamos naquele belo terreiro, quanto aos caretas - leite muito bom.

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