Tumulto em Ipanema (cena extraída de http://www.youtube.com/watch?v=xxvXaE4-pw0).
"A Psicologia das Massas, para além dos estereótipos, tenta propiciar respostas para problemas do nosso tempo, defendendo e pesquisando a racionalidade das massas. Um confronto entre centenas de banhistas e uma dezena de guardas municipais, ocorrido no dia 9 de outubro de 2012, uma terça-feira, na Praia de Ipanema, cidade do Rio de Janeiro, é significativo dessa questão.
A associação entre episódios como a burla por um banhista da proibição da prática entre as 8 horas e as 17 horas do altinho, um jogo praticado à beira-mar, sua admoestação violenta por parte de guardas municipais e a revolta de alguns usuários da praia (incluindo uma pessoa que passeava com o seu cachorro pelas areias, ato também proibido), levou à confusão (Ver http://oglobo.globo.com/rio/guardas-municipais-entram-em-confronto-com-banhistas-na-praia-de-ipanema-6351810#ixzz29HyZiZHM).
A multidão se mobilizou rapidamente, incitada e orientada por mais de um indivíduo, contra aqueles que ela entendia como opressores de seus direitos, violadores do seu espaço. Os guardas se afastaram, sob cocos e cadeiras de praia arremessados contra eles.
Vale comentar que o trecho em que ocorreu o incidente, conhecido como 'Coqueiral', é um local particular na cartografia da orla carioca, no qual as 'tribos' mais frequentes são pessoas que advogam a liberdade de expressão e tradicionalmente sempre se opõem à truculência policial. As autoridades informaram que investigariam eventuais excessos dos guardas. Alguns dos participantes do distúrbio declararam posteriormente que, pelo fato de o espaço ser democrático, consideravam-no como 'deles' (Ver http://oglobo.globo.com/rio/altinho-beira-dagua-volta-acirrar-animos-de-guardas-municipais-banhistas-6369615#ixzz29Hz0dVrP).
O entendimento de democracia como laissez faire permitiria violar posturas sobre o uso das praias (determinadas no município do Rio de Janeiro pelo Decreto n. 29.881, consolidado pelo prefeito Cesar Epitácio Maia em 2008). A ação da massa em Ipanema, apesar de questionável no regime democrático, surgiu como resposta imediata à revolta generalizada contra os guardas municipais, tendo sido, portanto, uma decisão plenamente racional, tendo em vista as informações que as pessoas dispunham no momento.
Mais do que apenas questionar a validade das leis, sua fiscalização e a punição de infratores, uma resposta que pode ser dada pela perspectiva psicossocial — e em particular da Psicologia das Massas — nesse contexto de violações reiteradas, aliado a visões arcaicas das multidões como inerentemente irracionais e potencialmente agressivas (as quais prejudicam uma gestão racional das massas por parte das autoridades), é a de que a mudança cultural das representações sociais acerca do que é democracia, uso dos espaços públicos e limites da ação fiscalizatória e repressiva, efetivada nos espaços de educação, é capaz de melhorar as relações interpessoais e intergrupais, minimizando conflitos.
O conflito pode ainda estar relacionado à chamada 'imagem de espelho' (Osgood, 1962), fenômeno aplicado a massas, decorrente da percepção social sobre o seu grupo (ingroup), que é visto como o oposto do outro grupo (outgroup). No caso da 'Batalha da Praia de Ipanema', se é que se pode assim chamar o distúrbio supracitado, o ingroup (banhistas) teria uma auto-imagem positiva, vendo-se como detentor de direitos e pacífico, somente reagindo a uma agressão, ao passo que vê essa imagem refletida de forma negativa no outgroup (guardas), destituidor de direitos e beligerante.
Desse modo, quando da interação física dos dois grupos, em uma situação de conflito como a da ocupação das areias, o fato de os guardas estarem armados com cassetetes pode ter se tornado uma justificativa para que os banhistas também se armassem, mesmo que provisoriamente, com cocos e cadeiras de praia à disposição, com base na cognição social de tendenciosidade ao equilíbrio (Heider, 1958) e à comparação social (Festinger, 1964): 'precisamos nos defender deles'.
A reflexão acerca da natureza e do funcionamento das massas pode contribuir para a compreensão de eventos de participação massiva, possibilitando a instrumentalização dos pesquisadores no sentido de aumentar sua capacidade preditiva com relação ao desenvolvimento desses fenômenos" (Jesus, 2013, pp. 500-501).
Jesus, J. G. (2013). Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicologia & Sociedade, 25(3), 493-503. Disponível em http://www.ufrgs.br/seerpsicsoc/ojs2/index.php/seerpsicsoc/article/view/3649/2266
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