Artigo publicado no Correio Braziliense de 31 de março de 2014, no Caderno Opinião, página 11.
GESTÃO DE MASSAS NÃO É REPRESSÃO
Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília e Pós-Doutoranda pela Escola Superior de Ciências Sociais – CPDOC da Fundação Getúlio Vargas – Rio.
As cenas de violência em protestos que temos assistido, quase diariamente, não são inevitáveis. Algumas questões, nesse sentido, têm surgido. Especialmente diante da incapacidade das autoridades em compreender e lidar com o comportamento coletivo dos manifestantes que se organizam para reivindicar por todo o país.
As multidões, ou massas, mesmo quando orientadas ideologicamente e organizadas por um movimento social, funcionam de maneiras próprias. E não podem ser confundidas com aquelas seguidas por pequenos grupos, onde lideranças – formais ou informais – são identificadas facilmente.
Podem-se enumerar razões, de ordem política ou psicossocial, para o fato de pessoas saírem de suas casas e se agregarem para protestar, mas não têm sido apresentadas explicações para o modo como esses grandes grupos se comportam.
Ao contrário do senso comum, a massa não é burra: é um sistema social auto-organizado, que toma decisões rapidamente e é menos sujeito à influência de agentes externos que os indivíduos isoladamente, mesmo quando submetida a falhas de julgamento que prejudicam a qualidade de suas decisões. O excesso de centralização no uso das informações, a fragmentação no acesso a elas e a imitação irrefletida determinam o desempenho precário de algumas multidões.
Porém, a liberdade no acesso às informações, a independência para formação de opiniões individuais e a habilidade em traduzir os juízos dos integrantes da coletividade são primordiais para que as massas sirvam ao seu potencial de trazer segurança às pessoas.
Para as multidões convergem indivíduos com intentos e predisposições semelhantes. Assim, o comportamento de cada indivíduo nesses grandes coletivos, além de resultar de seus próprios propósitos, envolve um processo de perda das restrições morais menos relacionadas ao anonimato do que à identificação social com as normas do grupo.
Ante ao exposto, defende-se que reprimir não é a única solução para lidar com depredações que vêm ocorrendo durante as manifestações públicas. A repetição reducionista de um determinado discurso, no qual a coerção é o mecanismo indispensável para resolver os impasses, evidencia desconhecimento quanto a estratégias preventivas, portanto planejadas, para se gerir massas, minimizando conflitos, senão os evitando.
Algumas ações eficazes podem ser tomadas, frente a uma coletividade. A primeira é reconhecer que gestão é diferente de controle, e que nesse sentido, prevenção é melhor que repressão (utilizada em último caso).
É possível prever os movimentos dos manifestantes por meio de instrumentos que estão disponíveis, apesar de pouco conhecidos, como simuladores de comportamento de massa, que se baseiam em pressuposições sobre comportamento humano em multidões e têm diferentes aplicações.
Para um efetivo trabalho de inteligência na gestão de multidões, a autoridade responsável precisa conhecer fatores relacionados ao evento, tais como a sua natureza, objetivos, como ele está sendo divulgado, número esperado de participantes, onde ocorrerá e quando, para então avaliar quais problemas podem ocorrer e como lidar com eles.
Evitar pré-julgamentos, estando flexível para mudar o que foi planejado, conforme a circunstância, deve ser um princípio de quem se propõe a gerir a movimentação de qualquer massa humana.
Uma estratégia frequentemente negligenciada, senão considerada inútil, é a de se comunicar permanentemente com a multidão – toda ela, por meio de uma linguagem direta, audiovisual e de identificação com os integrantes, enquanto a ação ocorre, evitando o uso de figuras de autoridade e ciente de que a massa é composta por diferentes subgrupos.
É importante utilizar os meios de comunicação para informar a comunidade sobre o evento, como ocorrerá a movimentação no local e o que será permitido ou não para os manifestantes.
O objetivo final dessa gestão deve ser o de garantir o direito à livre manifestação, minimizando custos sociais e materiais, e não o de tratar a ocupação dos espaços públicos como previsível “baderna”, ante à qual somente se age nos momentos de tensão e enfrentamento.
As demandas e os desejos em marcha são sim difíceis de controlar, mas em uma democracia é inevitável lidar com eles. É necessário ouvir a chamada “voz das ruas” antes e durante suas caminhadas, e não apenas depois de reprimi-la.
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