sexta-feira, 3 de abril de 2015

POR QUE A PSICOLOGIA?


POR QUE A PSICOLOGIA?
Jaqueline Gomes de Jesus

Nasci nos estertores da década de 70 do século XX, logo, minha infância foi marcada pelos ventos libertários dos anos 80, ao que minha adolescência ocorreu na decepcionante década de 90, a qual delineou profundamente minha formação pessoal e profissional.

A inflação era devastadora, junto ao caos político do governo Collor, porém seria controlada no governo FHC. Politicamente, compartilhava com outros colegas esquerdistas a sensação de fracasso pela derrota de Lula. Ainda éramos ingênuos politicamente, e acreditávamos na impermeabilidade entre os lados direito e esquerdo.

Em 1996 eu já tinha uma relação irreversível com a Psicologia. No primeiro semestre, um professor cujo nome não me lembro, durante aula introdutória, perguntou à turma se permaneceríamos no curso de Química até o final.

O tom lamurioso da indagação chegou a me dar pena, e achei menos agressivo, apesar de mentiroso, responder-lhe que “sim”. Ainda naquele período fiz novamente o vestibular, agora para Psicologia, cujo instituto na Universidade de Brasília ficava em frente ao de Química; passei.

Sempre achei a Química interessantíssima, como um hobby nérdico (com “é” mesmo), digamos assim. A grave escolha do curso no qual eu faria minha primeira graduação ficou dividida entre ela e a Filosofia.

Quem leu o meu Memorial, o qual não é um texto público, e por isso teve até hoje uns dez leitores, no máximo, sabe do papel crucial de minha mãe, Maria Marly da Cunha Gomes, para a minha decisão. Como, muito certamente, você que me lê agora não teve contato com o Memorial, reitero o que já escrevi lá, um trecho curto:

“Eu pouco sabia o que um químico fazia, mas certamente deveria ser algo mais ‘prático’ do que o que um filósofo [fazia], que apesar de me atrair mais, era uma escolha que minha mãe não recomendava, dizia ser mais sensato fazer primeiro um curso que ‘desse dinheiro’, e depois fazer o que eu gostava” (Memorial, de Jaqueline Gomes de Jesus).

Não suportei muito a melhor opção financeira futura, ao mesmo tempo em que comecei a me deslumbrar com o vizinho do outro lado do jardim.

Mas por que a Psicologia?

A princípio, eu preferia um curso em que eu conhecesse melhor o humano do que as pipetas (que continuo adorando), mas eu não me via como profissional da área química. Vivi a popularização da Psicologia (ou da mitologia acerca dessa ciência), entre discursos de verdade amplamente conhecidos, que ao longo da graduação eu aprenderia como falsos, e gurus de auto-ajuda auto-declarados especialistas que falavam, principalmente na televisão, sobre o poder e a fragilidade da Psiquê. De psicólogo(a) e de louco(a) todo mundo tem um pouco.

Nesse caldo de verdades, meias-verdades e falácias imaginei uma Psicologia que respondesse a nossas questões existenciais melhor do que a Filosofia, porque mais próxima do cotidiano e menos suscetível a elucubrações fortemente determinadas pelo senso comum. Apesar de ter esse ponto-de-vista na época, continuei amando a Filosofia, inscrevi-me em diversas disciplinas correlatas ao longo dos anos.

Aprendemos em poucos semestres, senão no primeiro, que a ideia de fórmula mágica da Psicologia para resolver os problemas humanos é uma enorme ilusão, uma ilusão de poder, de controle sobre nossos corpos, e mais ainda sobre os dos outros, que ao longo das décadas se mostrou perniciosa para a formação da Psicologia Científica.

Como explicar o inexplicável? A maioria das pessoas procura respostas imediatas (não necessariamente as mais fáceis), encontradas em abundância nas religiões e demais ideologias. Saber que era necessário buscar respostas melhores que as disponíveis, destrinchar as crenças em voga, autopsiar os cadáveres dos ídolos, atou-me à Psicologia.

Eu vi muitas Psicologias possíveis. Se no começo me satisfazia com o mundão interior, aprendi — durante o que foi para mim uma época de ouro — que existia um universo para além dos indivíduos, ou melhor, através deles/de nós.

Contraditória, por vezes; demasiado compartimentalizada, geralmente. São desafios da contemporaneidade para a nossa moderna ciência-profissão: transdisciplinarizar-se e se multiprofissionalizar, em suas práticas e teorias.

Em vários momentos pensei em deixar a Psicologia, pelas dificuldades postas no caminho, por mais que me esforçasse. Mas esse sentimento logo me desagradava: eu não me via mais como uma pessoa inteira sem a minha educação e socialização psicossociais; sem a minha linguagem e instrumental psicossociais.

Hoje reconheço, escurecidamente, que a Psicologia não era mais algo externo a mim, ela se apossou da minha “inconsciência”, até se tornar um dos elementos componentes da minha consciência.

Hoje não me arrogo a afirmar que saberei, nalgum dia, explicar bem porque escolhi a Psicologia. Ela me ensinou que tendemos a dar explicações simplórias para a inexplicabilidades da vida, e que envidamos esforços cognitivos tremendos para justificar nossas verdades.

Muitas das minhas primeiras expectativas acadêmicas e profissionais para com a Psicologia foram frustradas, mas isso não significou a destruição do meu interesse nela, muito ao contrário, novas perspectivas, mais consolidadas no real, foram plantadas e renderam frutos.

Mais que uma escolha inexorável, a escolha da Psicologia como característica fundamental do que e de quem sou foi-se construindo ao longo dos anos de aprendizado. Mudaram as imagens, e eu me identificava com as novas que me eram apresentadas.

Não me coloco no centro do universo, crendo que isso ocorreu só comigo, particularizando algo que é universal: percebi que, com os novos conhecimentos, a minha relação com a Psicologia chegou a um ponto tal de afeto —anteriormente era curiosidade entusiasmada — que eu não poderia abandoná-la, que ela precisava de mim. Penso que esse seja um tipo de sentimento de missão.

Em suma: cresci para a Psicologia porque meu pensamento amadureceu, deixando de acreditar nela como um totem que me daria respostas; reconhecendo que meu sangue, suor e lágrimas eram necessários para o crescimento dela.

Nem ela me escolheu, nem eu a escolhi, ambos nos escolhemos, para tentarmos ser melhores do que éramos, do que somos. Não sou apenas a psicóloga, mas a pessoa que eu sou tem uns óculos das Psicologias que participam de quem sou. Há muito o que fazer para sermos, mais que respeitadas, valorizadas.

E persistir nessa missão difícil, e provavelmente inalcançável, muito me agrada. Sei que a estrada de cada um(a) sempre acaba, por isso é menos desgastante seguirmos no ritmo de nossos próprios passos, sem pressa, aproveitando ao máximo aquilo que sabemos, mas principalmente melhorando a qualidade do nosso andar.

A Psicologia me acompanha nesta senda.

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