Do início ao fim, o Congresso Internacional do Pensamento das Mulheres Negras no Brasil e na Diáspora Africana, ocorrido entre 9 e 12 de dezembro, sob a batuta apaixonada de Carol Barreto (Universidade Federal da Bahia - UFBA), Cláudia Pons Cardoso (Universidade do Estado da Bahia - UNEB), Jurema Werneck (Ong Criola) e Laila Rosa (UFBA), entre outras competentíssimas organizadoras, muito bem delineou os novos desafios para as mulheres negras, particularmente as brasileiras.
Primeiramente, fiquei fascinada com a participação intensa, e constante referência, das mulheres lésbicas e bissexuais ali presentes. Um indicativo saudável do avanço na superação da lesbofobia nos feminismos nacionais.
Por outro lado, constatei a ausência de mulheres trans, o que reitera a necessidade de aproximação dos movimentos de mulheres e feministas da população transgênero, e vice versa, e um silenciamento sobre as demandas e articulações das profissionais do sexo, majoritariamente negras.
Mas o principal elo do Congresso foi inesperado, um presente dos Orixás para que reflitamos o hoje com vistas ao que precisa ser feito para o futuro. A conferência de abertura dialogou diretamente com a de encerramento, sem que uma palestrante soubesse do conteúdo da fala da outra, apesar de se conhecerem e à sua rica produção intelectual.
Sueli Carneiro, a quem considero a maior filósofa viva a abordar o racismo e o sexismo no Brasil, iniciou os trabalhos a partir da retomada de seu próprio texto, "Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero", basilar para o feminismo negro neste país.
Ela apontou que, a partir de considerações sobre pensadoras como Lélia González, o feminismo brasileiro foi enegrecido, as políticas públicas foram enegrecidas, porém esse enegrecimento ainda não redundou em transformações na estrutura política e sócio-econômica, de modo que o grande desafio que se coloca para as mulheres negras brasileiras atualmente é o de como lidar espaços de influência que contam com a presença de negras e negros, os quais, porém, falham no empoderamento da população negra, especialmente as mulheres.
Quando chegamos ao Auditório da Reitoria da UFBA, pouco antes da abertura, modestamente, Sueli comentou brevemente comigo sobre o incômodo de fazer o discurso já conhecido, ao que lhe respondi que, além de agradável, era necessário ouvi-la novamente, e muitas outras pessoas precisavam escutar o que ela tem a dizer. E mais uma vez ela foi além.
A fala nos inspirou a todas. Particularmente, decidi tomá-la como referência para a minha fala na mesa redonda do dia seguinte, sobre práticas culturais, sociais e políticas de mulheres negras. Tratei do tema da intelectualidade e do empoderamento, temática tipicamente feminista e antirracista, considerando questões como a crítica à intelectualidade orgânica, o sujeito universal pós-colonialista, performance, agenciamento, reparação psicológica, ocupação de espaços e diferenciações sobre poder como relação ou como resultado.
Tive ainda a oportunidade, posteriormente, de conduzir um diálogo sobre transfeminismo e feminismo negro, no qual ressaltou-se a questão do controle estatal sobre os corpos trans e de mulheres negras, e a crítica histórica do feminismo negro quanto ao alheamento do feminismo tradicional acerca da mulheridade negra, o que tem-se repetido, recentemente, no que tange à mulheridade trans.
No encerramento, a ministra Luiza Bairros, da Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), intelectual, ativista e gestora, apresentou um painel grandioso e consciente para os desafios das mulheres negras brasileiras na atualidade, que para quem acompanhou as exposições e discussões do começo ao fim, ficou evidente o diálogo transversalizado, sobre uma mudança de status que ainda não resultou em mudança paradigmática das estruturas racistas.
Senti-me aliviada ao testemunhar que, apesar das limitações impostas pelo Governo Federal, a ministra não perdeu sua capacidade crítica e seu olhar criterioso para o real.
Além de ter sido um local de afeto, onde pude re-encontrar amigas/os, como Alexandra Martins Costa, Alex Ratts, Denise Botelho, Sandra Maria Mattos e Tatiana Nascimento, além de fazer várias novas amizades, como Amélia Maraux, Amina Doherty, Annie Gonzaga, Bárbara Alves, Carla Akotirene, Izaura Furtado, Maria Lúcia da Silva (Lucinha), Molara Ogundipe, Nadir Nóbrega e Selma Maria da Silva, esse foi um evento verdadeiramente empoderador para mulheres negras, todas as que ali estavam presentes, em termos de poder intrapessoal (elevação da auto-estima, da assertividade e do reconhecimento da própria negritude), poder interpessoal/social (identificação com outras mulheres negras em diferentes contextos e fortalecimento da ação coletiva) e poder cultural (reiteração dos valores e elementos desenvolvidos por pessoas negras nas diferentes expressões artístico-culturais).
Vale destacar, neste ponto, a arte libertária de Annie Gonzaga:
Agradeço aos cuidados que recebi das organizadoras, lembrando aqui do valoroso desempenho da comissão científica e demais comissões, das monitoras, com um abraço bem apertado para Fabiana (Bia) Leonel, Cláudia Pons, Jurema Werneck, Anni Carneiro, Laila Rosa, Carol Barreto, Silvana Bispo e tantas/os outras/os queridas e queridos.
Beijas e Axé!
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