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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
A Lei dos Pontos Raciais Paulista
O Governo do Estado de São Paulo acaba de promulgar a Lei Complementar nº 1.259, de 15 de janeiro de 2015, que autoriza o Poder Executivo a instituir sistema de pontuação diferenciada em concursos públicos para pretos, pardos e indígenas. Um passo sério e necessário para se começar uma superação das desigualdades raciais no serviço público.
Essa legislação, atinente a um dos momentos-chave para a aplicação de ações afirmativas, o acesso, responsabiliza sobremaneira os órgãos que forem executá-la. Em termos técnicos e ético-políticos, os profissionais responsáveis por sua exequibilidade precisaram ser muito bem preparados, considerando que faltam parâmetros no documento relativamente a como evitar fraudes, inevitáveis em um processo que envolve a valorização de grupos historicamente alijados do acesso aos bens sociais.
Minha análise se concentra na população negra, como se verá, em função do elevado grau de reverberação das ações a ela voltadas no que toca a intensas transformações sociais, em decorrência da sua representatividade demográfica.
As comissões ou equipes responsáveis pela avaliação dos pedidos de candidatos precisarão discutir bem seus pressupostos para diminuir a probabilidade, por exemplo, de que brancos ganhem pontos, como se fossem negros de cor parda, por falsidade de autodeclaração, ou ainda que pessoas negras de cor parda sejam penalizadas, não participando do processo por razões várias.
Uma sugestão que trago, por experiência própria como profissional que conheceu por dentro a implantação de ações afirmativas, é a de que o Poder Executivo busque proatividade nesse processo, não se limitando a averiguar eventuais denúncias de fraude, mas atuando, desde os primeiros momentos de preparação dos concursos, para diminuir a sua ocorrência.
O ponto de corte quanto à condição sócio-econômica precisa ser ponderado com cuidado, a fim de que não seja muito baixo, excluindo potenciais candidatos de baixa renda.
Conforme dados do relatório sobre as condições de vida e trabalho da população negra no Brasil, publicado em fins de 2014 pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR da Presidência da República, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (confira o estudo clicando aqui), 6,7% dos trabalhadores brancos paulistas são servidores públicos, enquanto, na mesma condição, 4,3% são negros. A maioria dos desempregados no Estado de São Paulo é negra.
25,1% dos paulistas com 12 ou mais anos de escolaridade são brancos, ao passo que menos da metade, 10,4%, são negros. Cito essa informação porque ela terá algum impacto no perfil dos candidatos de determinados certames, o que precisa ser levado em conta. Suponho que se deva conferir uma pontuação maior aos candidatos negros para cargos de nível superior do que para os de outros níveis de ensino.
Quando se reflete nas pontuações, é imprescindível ter em vista o aumento da presença da população-alvo da política na instituição em pauta. Os pontos a serem conferidos precisam contribuir positivamente, de maneira significativa, para a proporção de membros de grupos sócio-historicamente discriminados na organização pública.
Um ponto emblemático na Lei 1.259/2015 é o conceito de etnia, destacado no Artigo 5º. É problemático utilizá-lo quando se refere à população negra (subentendida como uma categoria cultural formada pelos pretos e pardos), porque ele é mais apropriado para as populações indígenas, como dimensão mais estanque do que a de cor/raça.
A identificação de alguém como uma pessoa negra ou branca, na sociedade brasileira, e suas consequências, não decorre estritamente de ancestralidade, mas daquilo que chamamos de racismo de marca, pontuado por elementos da aparência do indivíduo. Na população indígena, ao contrário, o reconhecimento pelo grupo étnico de origem é uma condição muito mais saliente.
Entretanto, parece-me, tal questionamento é mais teórico do que prático, e não trará maiores contratempos à implantação da proposta.
Os desafios posteriores à aplicação adequada da norma serão: (1) a implementação de políticas criativas para a permanência qualificada dos profissionais que ingressarem, tendo em vista quase certas limitações financeiras que eles terão, mas também restrições dos colegas que os receberão, no que tange ao acesso a informações e relacionamentos sociais no trabalho; e (2) a preparação dos dirigentes para uma efetiva gestão da diversidade, objetivando a formação de equipes que aprendem com a sua variedade humana, e não apesar dela.
A adoção de tal ação afirmativa pelo Estado mais rico do país, e com uma das maiores visibilidades nacionais e internacionais (como o do Rio de Janeiro, que já adota medidas dessa natureza), certamente trará reflexos políticos favoráveis em outras Unidades da Federação, que estarão mais sensibilizadas a discutir o quão imperioso é criar condições para diminuir os obstáculos históricos e atuais para a inclusão de pessoas negras e indígenas nos quadros do Estado.
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