Abaixo segue uma crônica de Conceição Freitas, do Correio Braziliense.
Para quem não sabe, a imagem ao lado é da Catedral, por dentro. Encontrei no site http://architetour.wordpress.com/2009/10/09/catedral-de-brasilia/.
"De onde você é?
A repórter austríaca de pele cor de rosa e cabelos vermelhos quer saber onde foi parar a utopia, o que deu certo e o que não de certo, o que será do futuro de Brasília. A caixa de mensagem está cheia, como nunca, de Brasília. Histórias de candangos, perguntas, protestos, convites para manifestações em defesa da cidade e uma recente versão de “o que é ser brasiliense”. As tevês anunciam documentários sobre os 50 anos, os jornais preparam cadernos especiais, editores anunciam lançamentos de livros, livrarias organizam debates sobre a cidade.
Me perco diante de tantos acontecimentos simultâneos; a cidade que eu amo me escapa das mãos. Nunca a tive minha, mas escrevê-la é meu modo de vencer o estranhamento que ela provoca em meus sentidos. A insolência de Brasília me incomoda, mas o chão derramado que ela me oferece me seduz. (Quanto mais te aprendo, Brasília, mais me perco em você. Ainda mais agora, você no centro das atenções, seja pelo que de escandaloso aconteceu contigo, seja pela proximidade de seus 50 anos. Mas tenho percebido que a medida que se aproxima o 21 de abril, a tua plenitude urbana supera as vergonhas que te fizeram.)
Sou pequena para tanta Brasília, ela nem cabe no meu peito, mas invoco a sua presença o tempo inteiro e há tanto tempo que já nem mais como eu seria sem ela. Brasília me deu um filho que o tempo inteiro quer saber por quê. Por que as superquadras são fechadas de quatro em quatro? Por que o Eixão dividiu a cidade ao meio? Por que a cidade não tem calçadas? Por que é tão difícil andar de ônibus? É verdade que os comércios das entrequadras deveriam ser voltados para dentro? É verdade que o esboço das duas torres do Congresso Nacional já estava no projeto do Plano Piloto, de Lucio Costa? Faz 25 anos que Brasília molda o meu destino, ajusta meus pensamentos, me provoca inquietações, me enche de porques, me faz tremer de indignação, me irrita com sua aparente indiferença e me ensina a ser humana — é preciso invocar a humanidade o tempo inteiro pra dar conta da certa frieza e isolamento a que a cidade nos conduz.
Não sei o que seria de mim sem Brasília, sem suas (muitas) imperfeições, sem suas marcas de brasilidade, sem o território desbragado que me deixa em estado de perdição, sem a história dos brasileiros que a construíram. Talvez eu tivesse virado de evangélica ou esotérica, ou eremita ou andarilha. Talvez eu tivesse ficado amarga ou objetivamente ambiciosa, talvez eu tivesse morrido ainda em vida. Fiquei peripatética - aprendo andando, perambulando, procurando Brasília. Brasília me provoca diariamente, me pergunta quem ela é, me conta como foi loucamente lindo o seu surgimento.
Brasília me evoca o Brasil. Brasília me faz gaúcha, carioca, potiguar, goiana (goiana, goiana), mineira, nordestina, muito nordestina. Brasília me ensina a cada dia o nome de mais uma cidade. De onde você é?
Sou de Brasília".
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