quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Conceito de Heterocentrismo


O CONCEITO DE HETEROCENTRISMO: UM CONJUNTO DE CRENÇAS ENVIESADAS E SUA PERMANÊNCIA
The concept of heterocentrism: a set of biased beliefs and its permanence
El concepto de heterocentrismo: un conjunto de creencias sesgadas y su permanencia

Jaqueline Gomes de Jesus, Universidade de Brasília.

Artigo científico publicado na revista Psico-USF, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, volume 18, número 3. Disponível eletronicamente em http://www.scielo.br/pdf/pusf/v18n3/a03v18n3.pdf

RESUMO
Preconceitos podem ser expressos tanto por meio de ações discriminatórias quanto de discursos depreciativos. Este artigo objetiva identificar, com base em análise de diferentes teorias, a permanência na sociedade, por meio de práticas discursivas, políticas e mesmo terapêuticas, de um conjunto de crenças denominado "heterocentrismo", o qual é imbuído de uma carga simbólica negativa com relação à população homossexual, que conflita com mudanças nas relações interpessoais e grupais, ocasionadas pela insurgência dos novos movimentos sociais e da inclusão cada vez mais presente no cotidiano dos grupos sociais e organizações. Esboça-se um paradigma propenso ao reconhecimento não-estereotipado dos grupos discriminados, em especial os identificados pela dimensão da orientação sexual.
Palavras-chave: Preconceito; Discriminação; Orientação sexual; Gênero; Heterocentrismo.

ABSTRACT
Prejudices can be expressed both through discriminatory actions and derogatory discourses. This article aims to identify, from the analysis of different theories, the permanence in society, through discursive, political and even therapeutic practices, of a set of beliefs named "heterocentrism", which is imbued with a negative symbolic load with respect to the homosexual population, which conflicts with changes in interpersonal and group relations, caused by the insurgency of new social movements and the inclusion more present in the everyday life of the social groups and organizations. A paradigm is outlined leaning to the non-stereotyped recognition of the discriminated groups, especially those identified by the dimension of the sexual orientation.
Keywords: Prejudice; Discrimination; Sexual orientation; Gender; Heterocentrism.

RESUMEN
Perjuicios se pueden expresar a través de acciones discriminatorias como de discursos despectivos. Este artículo tiene como objetivo identificar, a partir del análisis de distintas teorías, la permanencia en la sociedad, por medio de prácticas discursivas, políticas e incluso terapéuticas, de un conjunto de creencias llamado "heterocentrismo", que está impregnado de un simbólico negativo con respecto a la población homosexual, que entra en conflicto con los cambios en las relaciones interpersonales y de grupo, causadas por la insurgencia de los nuevos movimientos sociales y de la inclusión cada vez más presente en la vida cotidiana de los grupos sociales y organizaciones. Se esboza un paradigma propenso al reconocimiento no estereotipado de grupos discriminados, especialmente los señalados por la dimensión de la orientación sexual.
Palabras clave: Perjuicio; Discriminación; Orientación sexual; Género; Heterocentrismo.

sábado, 25 de janeiro de 2014

O Terror dos Rolezinhos, O Terror das Massas Apartadas

Fonte da foto aqui, autoria não identificada.

Acabamos de testemunhar, neste país, o direito à reunião para manifestação pública ser cerceado, apenas em função de um vago temor de depredação e violência. Isso valeu para alguns dos rolezinhos, mas não para outras formas de agremiação que aconteceram e acontecem em vários shoppings.

Com tal diferença de tratamento se estaria assumindo que no Brasil existe um tratamento para alguns grupos sociais, em determinadas situações, o qual não cabe para outros grupos sociais nas mesmas situações?

Em um país estruturalmente classista e racista como o nosso, no qual a desigualdade social é indissociável da desigualdade racial, esse princípio soa como um reconhecimento, por um lado, de tenebrosa instrumentalização de mecanismos de poder e controle social por interesses oligárquicos de certas elites; e por outro lado, de uma vívida ocupação de espaços apartados para pessoas de classes socioeconômicas mais carentes.

Manifestação pública se resume a manifestação política? Ou ideológica? Ou religiosa? Por que manifestação pública não pode ser por diversão, festa, relacionamentos afetivos? Ou, nos termos coloquiais, para fazer um rolê, bater papo ou paquerar?

Nestas terras, onde ainda se leem as elucubrações de Freud, Reich e outros autores do começo do século XX sobre as massas - transformadas em representações sociais - como se fossem das produções teóricas mais atualizadas acerca da temática, não espanta que prevaleça o terror com relação às multidões que adentram em estabelecimentos privados de acesso público.

Essa não me parece uma demanda para a segurança pública, e tampouco me parece, ao contrário do discurso oficial, um mero reflexo da ausência de políticas públicas de cultura e lazer para essa parcela da população.

Essa, a meu ver, é uma das expressões de um dos profundos traumas brasileiros não tratados: a apartação social que não foi estabelecida legalmente, mas que permanece e se replica (com pouca ou nenhuma intervenção do Estado no sentido de dirimi-la), em todos os espaços de poder, públicos ou privados.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Problemas do Nosso Tempo

Tumulto em Ipanema (cena extraída de http://www.youtube.com/watch?v=xxvXaE4-pw0).

"A Psicologia das Massas, para além dos estereótipos, tenta propiciar respostas para problemas do nosso tempo, defendendo e pesquisando a racionalidade das massas. Um confronto entre centenas de banhistas e uma dezena de guardas municipais, ocorrido no dia 9 de outubro de 2012, uma terça-feira, na Praia de Ipanema, cidade do Rio de Janeiro, é significativo dessa questão.

A associação entre episódios como a burla por um banhista da proibição da prática entre as 8 horas e as 17 horas do altinho, um jogo praticado à beira-mar, sua admoestação violenta por parte de guardas municipais e a revolta de alguns usuários da praia (incluindo uma pessoa que passeava com o seu cachorro pelas areias, ato também proibido), levou à confusão (Ver http://oglobo.globo.com/rio/guardas-municipais-entram-em-confronto-com-banhistas-na-praia-de-ipanema-6351810#ixzz29HyZiZHM).

A multidão se mobilizou rapidamente, incitada e orientada por mais de um indivíduo, contra aqueles que ela entendia como opressores de seus direitos, violadores do seu espaço. Os guardas se afastaram, sob cocos e cadeiras de praia arremessados contra eles.

Vale comentar que o trecho em que ocorreu o incidente, conhecido como 'Coqueiral', é um local particular na cartografia da orla carioca, no qual as 'tribos' mais frequentes são pessoas que advogam a liberdade de expressão e tradicionalmente sempre se opõem à truculência policial. As autoridades informaram que investigariam eventuais excessos dos guardas. Alguns dos participantes do distúrbio declararam posteriormente que, pelo fato de o espaço ser democrático, consideravam-no como 'deles' (Ver http://oglobo.globo.com/rio/altinho-beira-dagua-volta-acirrar-animos-de-guardas-municipais-banhistas-6369615#ixzz29Hz0dVrP).

O entendimento de democracia como laissez faire permitiria violar posturas sobre o uso das praias (determinadas no município do Rio de Janeiro pelo Decreto n. 29.881, consolidado pelo prefeito Cesar Epitácio Maia em 2008). A ação da massa em Ipanema, apesar de questionável no regime democrático, surgiu como resposta imediata à revolta generalizada contra os guardas municipais, tendo sido, portanto, uma decisão plenamente racional, tendo em vista as informações que as pessoas dispunham no momento.

Mais do que apenas questionar a validade das leis, sua fiscalização e a punição de infratores, uma resposta que pode ser dada pela perspectiva psicossocial — e em particular da Psicologia das Massas — nesse contexto de violações reiteradas, aliado a visões arcaicas das multidões como inerentemente irracionais e potencialmente agressivas (as quais prejudicam uma gestão racional das massas por parte das autoridades), é a de que a mudança cultural das representações sociais acerca do que é democracia, uso dos espaços públicos e limites da ação fiscalizatória e repressiva, efetivada nos espaços de educação, é capaz de melhorar as relações interpessoais e intergrupais, minimizando conflitos.

O conflito pode ainda estar relacionado à chamada 'imagem de espelho' (Osgood, 1962), fenômeno aplicado a massas, decorrente da percepção social sobre o seu grupo (ingroup), que é visto como o oposto do outro grupo (outgroup). No caso da 'Batalha da Praia de Ipanema', se é que se pode assim chamar o distúrbio supracitado, o ingroup (banhistas) teria uma auto-imagem positiva, vendo-se como detentor de direitos e pacífico, somente reagindo a uma agressão, ao passo que vê essa imagem refletida de forma negativa no outgroup (guardas), destituidor de direitos e beligerante.

Desse modo, quando da interação física dos dois grupos, em uma situação de conflito como a da ocupação das areias, o fato de os guardas estarem armados com cassetetes pode ter se tornado uma justificativa para que os banhistas também se armassem, mesmo que provisoriamente, com cocos e cadeiras de praia à disposição, com base na cognição social de tendenciosidade ao equilíbrio (Heider, 1958) e à comparação social (Festinger, 1964): 'precisamos nos defender deles'.

A reflexão acerca da natureza e do funcionamento das massas pode contribuir para a compreensão de eventos de participação massiva, possibilitando a instrumentalização dos pesquisadores no sentido de aumentar sua capacidade preditiva com relação ao desenvolvimento desses fenômenos" (Jesus, 2013, pp. 500-501).

Jesus, J. G. (2013). Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicologia & Sociedade, 25(3), 493-503. Disponível em http://www.ufrgs.br/seerpsicsoc/ojs2/index.php/seerpsicsoc/article/view/3649/2266

domingo, 19 de janeiro de 2014

Modalidades de Mobilização Massiva

Conflito entre vendedores ambulantes e policiais no centro de São Paulo, foto de Werther Santana/AE (http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,prefeitura-mantem-linha-dura-e-camelos-prometem-novos-protestos,790956,0.htm).

"Coetaneamente, as marchas pela reforma agrária, das mulheres ao seu corpo (Marcha das Vadias), das trabalhadoras do campo (Marcha das Margaridas), da população negra (Marcha Zumbi), de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (Paradas do Orgulho LGBT), de grupos religiosos (Marcha para Jesus), pela liberalização do uso de drogas (Marcha da Maconha), entre dezenas de outras, acontecem e são visíveis em todo o país, com suas dezenas ou milhões de participantes, e compõem um quadro vivo da movimentação massiva pela defesa de ideias, crenças e direitos (Jesus, 2012).

Podem ser relacionadas outras modalidades de mobilização, como as ocupações em massa de prédios, por movimentos pela moradia, e de órgãos públicos, por grupos de interesses variados, como os de grevistas e de trabalhadores rurais; ou ainda, como exemplo concreto, distúrbios envolvendo camelôs na cidade de São Paulo, que incluíram enfrentamento com policiais (Ver http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2610201114.htm).

Essas mobilizações no Brasil incluem ocupações de reitorias por estudantes universitários, que apesar de se iniciarem como movimentos de grupos organizados, repercutem junto a toda a comunidade universitária, que geralmente tem-se aliado aos demandantes.

Podem ser citadas algumas ocupações, como as ocorridas em 2007, contra a adesão da Universidade Federal do Rio de Janeiro ao programa de reestruturação das universidades – Reuni (Ver http://oglobo.globo.com/educacao/estudantes-mantem-ocupacao-da-reitoria-da-ufrj-4146976); a da Universidade de Brasília em 2008 (Ver http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=1480) e a da Universidade Federal de Rondônia em 2011 (Ver http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/11/23/ocupacao-da-reitoria-da-universidade-federal-de-rondonia-chega-ao-50-dia.htm), ambas ações pela saída dos Reitores; e a da Universidade de São Paulo em fins de 2011, decorrente da detenção de alunos (Ver http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/11/entenda-ocupacao-feita-por-alunos-em-predios-da-usp.html), a qual foi reiterada em 2013, esta vez com base na demanda por mudanças no modelo de escolha da reitoria (Ver http://noticias.terra.com.br/educacao/usp-classifica-ocupacao-de-barbarie-reitoria-sera-reaberta-em-15-dias,724599758bd42410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html).

É razoável considerar, ainda, as revoltas de junho de 2013, de cunho popular, que mobilizaram diversos segmentos das sociedades civis de várias áreas urbanas do país, inicialmente em torno de reclamações contra o aumento de tarifas do transporte coletivo, mas cujos discursos se pluralizaram, questionando as autoridades, ao apresentar críticas quanto ao acesso e à qualidade dos serviços públicos e abordar questões estruturantes, como os direitos sociais, econômicos e de livre expressão (Maricato, 2013).

Para Tarde (1976) e Cooley (2003), quanto maior a densidade populacional, maior a competição pelos recursos que as cidades podem oferecer. Na conjuntura contemporânea, as ações coletivas se configuraram como estratégias efetivas de diferentes grupos sociais ou ideológicos na aquisição de recursos e na ocupação de espaços de poder. Mas o que a Psicologia tem a ver com tudo isso? Não seriam os fenômenos de massas objetos de análise apenas para ciências como a Sociologia, da Ciência Política ou da História?

Além dos estudos sociológicos, políticos ou mesmo históricos, os da Psicologia têm muito a contribuir no entendimento da formação das multidões e sua evolução, considerando-se esse um complexo fenômeno relacionado à sociabilidade humana, e que explicita 'a inerentemente dialética natureza do relacionamento entre o indivíduo e a sociedade' (Reicher, 2008, p. 197)" (Jesus, 2013, pp. 495-496).

Jesus, J. G. (2013). Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicologia & Sociedade, 25(3), 493-503. Disponível em http://www.ufrgs.br/seerpsicsoc/ojs2/index.php/seerpsicsoc/article/view/3649/2266

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Liberdade de CeCe McDonald

Imagem disponível AQUI.

A coragem e a luta de uma jovem falam muito sobre a força dos oprimidos e a necessidade de que a estrutura social de controle sobre os corpos, herança escravagista das Américas, seja desmantelada, na teoria e na prática.

Foto de CeCe McDonald encontrada em http://supportcece.wordpress.com

CeCe McDonald foi libertada ontem, 13 de janeiro de 2014, após um ano e sete meses detida em uma prisão dos Estados Unidos. CeCe foi presa por se defender de um ataque racista e transfóbico perpetrado por um grupo - CeCe é uma mulher negra transexual.

Estado de CeCe após o ataque. Arquivo Pessoal.

Janet Mock, escritora, jornalista, ativista trans e editora da revista People.com, redigiu uma bela carta a CeCe, na qual demonstra toda sua solidariedade e reconhece o sofrimento que esta passou, sem perder a dignidade e sempre reafirmando o direito à vida das pessoas trans, vergonhosamente negado a ela quando foi penalizada por se defender de um crime de ódio: Because of You: My Letter to CeCe McDonald on Her Release.


Visita a CeCe de Leslie Feinberg, escritora e ativista trans (foto extraída DAQUI).

Janet Mock, escritora, jornalista, ativista trans e editora da revista People.com, redigiu uma belíssima carta a CeCe, na qual demonstra toda sua solidariedade e reconhece o sofrimento que esta passou, sem perder a dignidade e sempre reafirmando o direito à vida das pessoas trans, vergonhosamente negado a ela quando foi penalizada por se defender de um crime de ódio.

Meu intento, nesta postagem, não é descrever - sequer sumariamente - tudo o que a jovem CeCe McDonald enfrentou. E tampouco pretendo reiterar a importância dessa mulher negra trans no debate sobre a injustiça a que a população negra e a população trans estão submetidas, a qual se potencializa quando essas dimensões discriminadas de cor/raça e gênero se encontram.

Este momento é conveniente para se estimular uma reflexão sobre os perversos mecanismos da transfobia, do sexismo e do racismo, expressos em práticas institucionais como o aprisionamento daqueles cujos corpos - negros e/ou trans - sobrevivem ao genocídio cotidiano, que no caso americano remete à realidade brasileira - porque ambos são herdeiros do colonialismo escravocrata nas Américas, com diferentes características sociais, tratamentos teóricos, práticas institucionais e políticas públicas, todas redundando, de uma forma ou de outra, em exclusão sistemática.

Desde que ser “negro” passou a ser sinônimo de “escravo”, com todas as conseqüências sócio-econômicas, delineou-se um processo de infra-humanização que, no contexto da exploração colonialista, era justificado e legitimado por meio de discursos e práticas sociais e institucionais de alienação e inferiorização das pessoas negras, que formatavam determinadas representações sociais sobre essa população.

Nesse sentido, as sociedades americanas, fundadas na dominação de povos por outros povos, utilizaram como estratégia a negação dos africanos como povos com culturas particulares e historicamente constituídas. As conseqüências dessa complexa conjuntura não poderiam ser facilmente superadas em um breve espaço de tempo, e menos ainda sem medidas adequadas: não bastaria, por exemplo, apenas acabar com a  legalidade da escravidão para que as pessoas negras não fossem mais marginalizadas.

O controle sobre os corpos é um dispositivo de poder e saber (remetendo ao pensamento de Foucault): particularmente as pessoas negras trans ainda não são vistas como seres plenamente humanos, mas como seres abjetos, porque não são inteligíveis para os padrões hegemônicos de identidade étnico-racial e de gênero (fundamentados no binarismo).

Esse é um dos aspectos políticos centrais da ação coletiva relacionada às pessoas trans: a luta pelo direito de poderem se nomear, de serem autônomas para falarem de si mesmas, de terem acesso a direitos civis básicos.

Um indicador significativo da invisibilidade das pessoas trans negras tem a ver com a perniciosa lógica de encarceramento, na qual predominam como prisioneiros homens negros. A luta histórica da professora, filósofa e militante negra Angela Davis, pela abolição no sistema prisional, não se restringe aos Estados Unidos, ela tem tudo a ver com a deteriorada realidade brasileira.

As travestis e as mulheres trans em conflito com a Lei que não conseguiram adequar seus registros civis a suas identidades sociais são alocadas nos presídios masculinos - o que CeCe McDonald vivenciou é algo cotidiano para muitas pessoas trans neste país. A negação sexista - e cissexista (clique AQUI para saber o que o termo significa) - da identidade dessas mulheres é reconhecida, nestas paragens, como um dever do Estado, partindo-se do entendimento falacioso de que a identidade de gênero dos seres humanos é determinada pela genitália.

Isso ocorre de tal modo que foram criadas alas específicas para separá-las dos homens, pois na prática eram violentadas diariamente. Essas alas, para a curiosidade dos mais atentos, costumam ser chamadas de Alas Gays, apesar de não haverem apenas gays ali.

Imagem extraída de vídeo da matéria "Ala especial em presídio da PB ajuda travestis a não sofrer preconceito", da Globo News, acessível AQUI.

A maioria das pessoas trans trans em prisões, como na foto, são evidentemente negras.

Vale comentar que o Brasil é responsável, isoladamente, por 39,8% dos assassinatos de pessoas trans registrados no mundo entre 2008 e 2011, e no mesmo período por 50,5% desses crimes na América Latina, conforme dados da pesquisa "Transrespect versus Transphobia Worldwide" (TvT), conduzida pela ONG TransGender Europe – TGEU. Vivemos no país onde mais se matam pessoas trans no mundo.

Uma cena, gravada em 15 de abril de 2011, é significativa do caráter de ódio que orienta a transfobia no Brasil: o assassinato brutal, ocorrido em Campina Grande, na Paraíba, da travesti Idete (o seu nome social foi pouco divulgado na mídia, ao contrário do civil, além do tratamento em termos masculinos), morta com mais de 30 facadas por um grupo de 3 jovens (assista AQUI - atenção: cenas fortes).

Apesar dessa realidade cruenta, não há informações de como órgãos públicos brasileiros têm-se articulado para auxiliar especificamente as pessoas trans, muito menos aquelas que são negras, sem confundir suas demandas com as de outros grupos sociais, sem misturar as estatísticas das violações que elas sofrem com as de outras populações.

Um honrosa exceção é a atuação da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual vinculada ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, que promoveu ações publicitárias com pessoas trans e promove o Projeto Damas, voltado à inclusão sócio-profissional. Outra iniciativa inédita que pode ser citada foi uma recente audiência pública, junto à Organização dos Estados Americanos, para se avaliar a situação precária de reconhecimento dos direitos humanos da população transgênero no Brasil.

Apesar da inação generalizada do Estado e da pouca mobilização de organizações sociais pela cidadania das pessoas trans negras, noto que as principais ações surgem da própria sociedade civil, por meio de diferentes ativistas e acadêmicos que têm investigado e apontado para as mazelas que esse segmento significativo da população transgênero sofre.

Ainda estamos no nível dos discursos isolados sobre o tema, mas ele é o estágio fundamental para que essa massa de pessoas negras segregadas pelo silenciamento e pela exclusão comece a exigir que suas vozes sejam ouvidas, que sua realidade não seja lembrada apenas como parêntesis, que a diversidade de interseções nas identidades étnico-raciais e de gênero seja reconhecida - e valorizada.

Ademais, pensar sobre como as discriminações interagem perversamente e se potencializam para além de uma mera soma 1 + 1 é imprescindível, a fim de que não nos tornemos alienadas(os) ante a segregações que ocorrem diuturnamente e não consegui(re)mos explicar, se tivermos o olhar cego para o racismo, o sexismo e a transfobia.

O mesmo raciocínio vale para o classismo, neste país onde o acesso de moradores de rua ou dos de periferia a determinados espaços públicos e privados é desestimulado ou impedido, até judicialmente, como ocorreu no recente episódio dos "rolezinhos" em São Paulo.

Essa, em particular, não é uma questão que se restringe a vandalismo, como alguns enganosamente defendem, é uma questão de apartação social, de apartheid relacionado à incapacidade de conviver com os diferentes, no caso os jovens "economicamente diferentes", digamos assim.

Esse debate precisa ser aprofundado, para além dos argumentos medíocres de defesa da ordem e em prol da repressão, os quais têm sido propalados com incrível facilidade.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Inscrições no Simpósio "Trabalho e Diversidade" Até 10 de Março

Relembrando, AS INSCRIÇÕES DE TRABALHOS no Simpósio Temático "11. Trabalho e Diversidade: Desafios em uma Sociedade Excludente", a ser realizado durante o VIII Congresso Brasileiro de Pesquisadores(as) Negros(as), que ocorrerá na Universidade Federal do Pará de 29 de julho a 2 de agosto de 2014, ESTARÃO ABERTAS ATÉ O DIA 10 DE MARÇO.

Maiores informações nesta postagem: http://jaquejesus.blogspot.com.br/2013/12/trabalho-e-diversidade-desafios-em-uma.html

domingo, 12 de janeiro de 2014

A Revolta do Center 3

Imagem extraída de vídeo postado no YouTube.

PARABÉNS às organizadoras e participantes dessa importante iniciativa!

Sem RESISTÊNCIA à violência, em todas as suas expressões, não há mudança nas relações de poder, que se expressam nos espaços públicos e privados, incluindo banheiros.

É cotidiano o silenciamento da REVOLTA contra a opressão naturalizada, seja pela censura, pela inferiorização, pela ridicularização, pela marginalização ou mesmo, no extremo, pelo assassinato. É com sua caminhada, suas palavras de ordem, músicas e cartazes que essas pessoas não apenas reagem à opressão, mas reafirmam o valor da VIDA HUMANA, em suas MÚLTIPLAS formas de expressão!

Saindo da internet, a MANIFESTAÇÃO pela livre vivência da identidade de gênero não beneficia apenas pessoas trans, mas TODAS E TODOS CIDADÃOS que almejam viver em uma sociedade realmente democrática.

11 de janeiro de 2013, revolta do Center 3, um dia a ser lembrado quando se for discutir sobre a criação de novas formas de viver, de novos valores que transcendem ao controle sobre os CORPOS, as SUBJETIVIDADES e as SOCIABILIDADES!

Assista o vídeo do ato clicando AQUI.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Amplitude dos Eventos de Massa

Aglomeração na Praça Tharir, no Cairo (foto: autor não identificado).

"Fundamental chamar atenção para o fato que todo tipo de especialista foi contatado para interpretar o ocorrido, evidenciando divergências entre psicólogos acerca do entendimento desse fenômeno e a falta de conhecimentos ou mesmo o desprezo por conceitos tratados pela Psicologia das Massas contemporânea, como a racionalidade, as falhas de julgamento, a descentralização no uso e acesso às informações sobre onde e quando ocorrerem mobilizações e a habilidade em traduzir os juízos individuais em decisões coletivas.

Esses podem ser fatores explicativos consistentes para explicar a amplitude do evento londrino e de tantos outros que ocorrem em todo o globo, como a Primavera Árabe (Arab Spring), que iniciou na Tunísia em 18 de dezembro de 2010, decorrente da auto-imolação de um feirante acossado por policiais corruptos, e tem abalado ou derrubado várias ditaduras (Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Bahrein, Síria, entre outras) ante a intensa mobilização popular e ao custo da perda de inúmeras vidas.

Um dos eventos relacionados à Primavera Árabe, a revolta na Síria que se tornou uma guerra civil, acentuando-se ao longo do segundo semestre de 2012 como conflito internacional, com repercussões diretas particularmente nos vizinhos Líbano e Turquia, decorrentes da afluência de refugiados sírios para esses países e se configurando em episódios como sequestro de sírios em território libanês (http://www.nytimes.com/2012/08/16/world/middleeast/explosion-in-damascus-syria.html?pagewanted=all&_r=0) e ataques militares a comunidades turcas próximas à fronteira com a Síria (http://www.cbc.ca/news/world/story/2012/10/07/syria-turkey-lebanon.html). De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, até meados de agosto pelo menos 200.000 cidadãos sírios se refugiaram em outros países, fugindo da guerra (http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-19370506).

No Brasil, revoltas e mobilizações coletivas permeiam a formação da nacionalidade e possibilitaram a conquista de direitos fundamentais, das lutas contra a escravidão às manifestações de trabalhadores..." (Jesus, 2013, p. 495).

Jesus, J. G. (2013). Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicologia & Sociedade, 25(3), 493-503. Disponível em http://www.ufrgs.br/seerpsicsoc/ojs2/index.php/seerpsicsoc/article/view/3649/2266

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A Falácia do "Efeito de Manada"

Tumulto na região de Tottenham. Foto: Beacon Radio (http://www.marxist.com/riots-london-britain.htm)

"Multidões não podem ser compreendidas pelo mesmo espectro de movimentos sociais, dada sua amplitude e desvinculação a princípios de afiliação próprios dos movimentos sociais. Utilizar os mesmos parâmetros para entender um e o outro fenômeno leva a entendimentos falaciosos acerca do funcionamento das massas humanas.

Recentes eventos, conhecidos como Distúrbios ou Tumultos Londrinos (London Riots), ocorreram entre os dias 6 e 10 de agosto de 2011, após uma marcha pacífica contra o assassinato cometido por um policial. Vários distritos da capital inglesa e do seu entorno foram alvo de estimados 3.443 atos de vandalismo, saques e incêndios criminosos generalizados, com 14 cidadãos feridos e cinco assassinados, enquanto tentavam proteger suas comunidades (http://www.bbc.co.uk/news/uk-14532532).

Em torno de 3.100 pessoas foram presas e mais de 1.000 foram responsabilizadas criminalmente (http://www.mirror.co.uk/news/top-stories/2011/08/25/london-riots-more-than-2-000-people-arrested-over-disorder-115875-23371068).

Várias explicações foram dadas ao acontecimento, desde aquelas envolvendo discrepâncias sócio-econômicas, desemprego, cortes nos gastos sociais, oportunismo de criminosos ou relações étnico-raciais desiguais, até as que apontavam para um 'efeito de manada', que teria levado o grande número de manifestantes a se 'descontrolarem' coletivamente e agirem de forma 'selvagem' (http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/aug/09/uk-riots-psychology-of-looting), entre outras considerações, o que reitera a consideração de Reicher quanto à predominância de argumentos populares da Psicologia, porém inadequados, usados inclusive por especialistas, a fim de explicar multidões" (Jesus, 2013, pp. 494-495).

Jesus, J. G. (2013). Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicologia & Sociedade, 25(3), 493-503. Disponível em http://www.ufrgs.br/seerpsicsoc/ojs2/index.php/seerpsicsoc/article/view/3649/2266

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A Imanência das Massas

Foto: Multidão nos corredores de estação do metrô paulistano (arquivo pessoal de Jaqueline Gomes de Jesus).

"Uma caminhada por qualquer estação movimentada do metrô paulistano poderá mostrar, ao pesquisador social atento, a imanência das massas na vida urbana contemporânea: milhares de pessoas circulam todos os dias, em maior ou menor densidades, de forma relativamente organizada" (Jesus, 2013, p. 493).

Jesus, J. G. (2013). Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicologia & Sociedade, 25(3), 493-503. Disponível em http://www.ufrgs.br/seerpsicsoc/ojs2/index.php/seerpsicsoc/article/view/3649/2266

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

As 25 Negras Mais Influentes da Internet

Para minha alegre surpresa, fui apontada pelas Blogueiras Negras como uma das 25 negras mais influentes da internet!
Estou muito lisonjeada por constar na lista #25webnegras, junto a colegas que tanto têm feito, com suas ideias e palavras, para que novas formas de pensar e agir se tornem mais comuns em nossa sociedade.
E seguimos batucando: "Lá vem a negrada que faz o astral da avenida / Mas que coisa tão linda, quando ela passa me faz chorar "!