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terça-feira, 15 de maio de 2012
Banheiros para Novos Apartados?
BANHEIROS PARA NOVOS APARTADOS?
Jaqueline Gomes de Jesus
Psicóloga e Doutora em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade de Brasília
Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte uma doutoranda foi impedida por seguranças de utilizar o banheiro feminino porque era transexual. Ao se opor a essa arbitrariedade, ameaçaram arrancar-lhe a cabeça. Como resposta da instituição, foi aventada a criação de um banheiro unissex, o que não me parece solução, mas opção impensada pela criação de um espaço estigmatizado e apartado para cidadãos considerados de “segunda classe”.
Uma travesti que tinha processado um shopping mineiro por tê-la impedido de usar o banheiro feminino recebeu estupefata a decisão do juiz, segundo o qual o ato do shopping foi correto, para “preservar a própria segurança e ordem no uso do banheiro público reservado às mulheres”. Infere-se, das palavras desse magistrado, que travestis são naturalmente perigosas, acarretam risco para si e para outros, e que é justo excluí-las ou expô-las aos perigos de uma pessoa com aparência feminina usar um banheiro masculino. Ela afirmou que irá recorrer.
É uma obviedade afirmar que as pessoas precisam ter acesso a um banheiro. Entretanto, vê-se que há casos de pessoas transgênero (transexuais e travestis) sendo impedidas desse direito, geralmente por autoridades desinformadas. A iniquidade no acesso ao banheiro tem sido uma das maiores barreiras para a integração de homens e mulheres transexuais na sociedade brasileira.
Apartheid: palavra da língua holandesa sul-africana que significa “à parte”. Na África do Sul o termo definia a política de segregação entre os brancos e os definidos como “não-brancos”, com base em uma filosofia que reivindicava a supremacia dos brancos. As pessoas eram obrigadas a ocupar espaços diferentes, em função da sua cor, incluindo banheiros. Historicamente, a falta de banheiros femininos foi uma estratégia para manter mulheres fora de espaços tradicionalmente dominados por homens. Ressalte-se que apenas na época da constituinte um banheiro feminino foi instalado para as deputadas no Congresso Nacional.
Essa é uma questão de gênero, e se está repetindo essas apartações com relação a mulheres transexuais (preconceituosamente consideradas inferiores às mulheres biológicas) e aos homens transexuais (também considerados, por alguns, como inferiores aos biológicos). A identidade de gênero é central para vida pública e privada de qualquer ser humano, não apenas para as pessoas transexuais, independentemente de anatomia ou fisiologia. Não reconhecer essa vivência leva a sofrimento e constrangimentos.
Como resultado de toda essa discriminação, as travestis, os homens e as mulheres transexuais que enfrentam o problema têm sofrido problemas graves de saúde, e até mesmo são demitidos ou abandonam a escola por se recusarem a utilizar um banheiro para pessoas de um gênero com o qual não se identificam.
E especialmente as mulheres transexuais, quando se submetem ao absurdo de utilizar um banheiro masculino, são alvo de agressões e abuso sexual. É justo que elas sejam abusadas? Elas não gozam das mesmas proteções legais dos demais cidadãos? Isso é desumano.
Os casos de proibição do uso de banheiro evidenciam uma lógica de discriminação, cuja mensagem é a de que essas pessoas são percebidas como ameaçadoras, ou que é normal serem agredidas por pessoas ignorantes, percepções evidentemente estereotipadas, e que levam à concepção inconstitucional de que, com tal proibição a mulheres e homens transexuais, estar-se-ia “prevenindo crimes”, fato visto apenas nas histórias de ficção científica.
É indispensável reconhecer que locais de trabalho, escolas e outros espaços públicos e privados precisam tornar os banheiros acessíveis e seguros também para as pessoas transgênero. Essa é uma questão fundamental de acessibilidade e respeito ao ser humano.
Há honrosas exceções. Instituições públicas e privadas têm compreendido as demandas da população transgênero que nelas trabalha ou usa seus serviços, e mesmo que não haja legislações a respeito, têm adotado os nomes e permitido acesso aos banheiros concordantes com o gênero com o qual as pessoas se identificam. É preciso, porém, que as cidadãs e os cidadãos preocupados com o avanço da democracia no Brasil estejam atentas para eventuais violações de direitos fundamentais, decorrentes de puro preconceito.
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A, sempre, tão polêmica questão dos banheiros. Acredito que devamos atentar para essa arquitetura generificada que tão bem exposta está na divisão binária dos banheiros. Ora, um boneco e uma boneca representando os gêneros que poderão fazer uso de uma privada e lá depositar suas merdas faz mais que dividir os espaços e corpos que nele circulam, mas estabelecem também o que está na zona do humano e possível do que está no (não)lugar do abjeto. Assim, concordo c/ a Jaqueline quando afirma que "não me parece solução, mas opção impensada pela criação de um espaço estigmatizado e apartado para cidadãos considerados de 'segunda classe'." a inclusão de um terceiro banheiro que, se afirmando unissex, não TRANScende o binarismo de gênero. No entanto, penso que, de fato, as pessoas TRANS precisam, e com urgência fisiológica nesse caso, por para fora seus excrementos, e se não há, na sociedade um consenso sobre a questão os 'terceiros' banheiros podem ser uma possibilidade, o problema é que penso que eles se tornarão, como bem compara a Jaqueline, um verdadeiro apartheid de gênero. Nesse caso, e radicalizando a crítica, acredito que devemos mesmo é desinstituir a divisão dos banheiros em gêneros, dado que isso só tem reforçado a exclusão dos que não se enquadram, ou, como prefiro, TRANScendem os gêneros. Os banheiros generificados e em moldes binaristas não fazem outra coisa que não ratificar o binarisno de gênero e a heteronormatividade, reforçando que corpos e desejos podem ser aceitos na esfera pública. Sim, pensamento utópico... mas necessário à crítica, esta sim com enorme poder de tranformação.
ResponderExcluirAndré, obrigada por contribuir de forma tão rica para essa discussão, que considero fundamental para uma nação que se pretende efetivamente democrática!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirjá passei por vários constrangimentos,acionei advogado do município e nada foi feito.Estou escrevendo tb sobre esse assunto tão desgastado e que continua ocorrendo.
ResponderExcluirPrezada, infelizmente são realmente grandes os obstáculos nesta sociedade preconceituosa em que vivemos! Procure outros contatos, fora do seu município, que possam ajudá-la. Você pode encontrar nestes sites: http://anavtrans.blogspot.com.br, http://astrario.blogspot.com, http://www.abglt.org.br, e dê uma lida em um texto que publiquei, com orientações, aqui: http://www.sertao.ufg.br/uploads/16/original_ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%87%C3%83O_TRANS.pdf?1334065989
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