sábado, 11 de maio de 2013

NOTAS SOBRE A DOMINÂNCIA SOCIAL - A Pedagogia do Oprimido: Como o Mundo é Impossibilitado

NOTAS SOBRE A DOMINÂNCIA SOCIAL - A Pedagogia do Oprimido: Como o Mundo é Impossibilitado
Jaqueline Gomes de Jesus
Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília - UnB e professora do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal - UNIPLAN
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O MUNDO NÃO É,
O MUNDO ESTÁ SENDO...
E PODEMOS FAZÊ-LO MELHOR.
Paulo Freire.
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I
A categoria "mundo" consta do vocabulário freireano: o mundo, em Paulo Freire, é basicamente a mediação entre os sujeitos (indivíduos participantes) na relação de reconhecimento mútuo. Pode-se deduzir que há, portanto, vários mundos, pois há vários tipos de relações individuais.
Uma licença discursiva - quase poética - permite entender que Paulo Freire aponta para a Teoria das Relações Intergrupais, mesmo que despropositadamente, pois os "sujeitos" aos quais ele se refere são, fundamentalmente, (1) o/a oprimido/a e (2) o/a opressor/a. Em suma, podem ser entendidos como grupos, e como recorda Devine (1995), "membros do grupo externo são percebidos como mais homogêneos em suas características, opiniões e comportamentos do que os membros do grupo interno" (p. 474). Torna-se viável a afirmação de que, enquanto existe a relação intergrupal entre oprimidos e opressores, ela é estereotipada e, portanto, impede a realização do mundo como mediação.
Segundo Taylor e Moghaddan (1994), a Teoria da Identidade Social, desde Tajfel, "tenta explicar relações entre grupos de uma perspectiva grupal" (p. 61). A teoria apoia a ideia de que os indivíduos são motivados a desenvolver uma identidade social positiva, produzida a partir do autoconceito, quando reconhecido no interior de um grupo social. O sentimento de "pertença" associado ao autoconceito possibilita a formação das comparações sociais intergrupais e extragrupais apontadas por Devine.
No entanto, apesar de se terem indicado razões para a existência da relação oprimido/opressor, não se explicou ainda o porquê de sua permanência. A teoria da dominância social traz algumas propostas no sentido de esclarecer essa questão.
II
A Teoria da Dominância Social, esclarecem Pratto, Liu, Levin, Sidanius, Shih, Bachrach e Hegarty (2000), associa algumas perspectivas teóricas e descobertas empíricas, tais como a da Personalidade Autoritária (Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson & Sanford, 1950), os estudos psicológicos do conservadorismo (McClosky, 1958; Wilson, 1973 ), a Teoria Política Bivalorativa de Rokeach (1973) e alguns modelos de conflito grupal (Blumer, 1960; Campbell, 1965; Marx & Engels, 1846/1970), para "explicar como sociedades perpetuam a dominância grupal" (p. 371), e afirmar que "diferentes pessoas têm diferentes orientações psicológicas com relação à dominância grupal (...), pessoas que mais apoiam a dominância grupal estão mais aptas a obter papéis sociais e posições políticas que as permitam aperfeiçoar ou manter a hierarquia social" (p. 371). A Teoria da Dominância Social parte de um nível de análise individual no contexto social, diferentemente da Teoria da Identidade Social.
Nessa perspectiva, reitera-se a noção de que a relação desigual entre oprimido/opressor é reforçada pelos fatores sócio-políticos que premiam os opressores, permitindo-lhes benesses, como acesso aos bens culturais e econômicos. Esse reforço impulsiona a opressão, tendo em vista que incentiva a alienação do opressor frente à situação subalternizada do oprimido: o opressor também é oprimido, no contexto da relação interpessoal/grupal, porque se encontra na mesma relação de opressão do oprimido, mas não percebe pois, ao contrário daquele, é reforçado positivamente. A satisfação de uns, em detrimento de outros, de modo algum neutraliza a precariedade da relação.
Isso significa que, de fato, a naturalização da relação oprimido/opressor deve ser combatida pelo reconhecimento mútuo da precariedade de tal relação, por meio da educação do opressor pelo oprimido, para que lhe mostre a impossibilidade de sua realização plena como sujeitos enquanto ambos não se tratarem como iguais em direitos, em uma relação equânime que possibilite a realização do mundo como construção conjunta.
III
Em uma perspectiva transcultural de compreensão das relações intergrupais, é a dominância social que impossibilita a realização do mundo, por meio da justificação da desigualdade, como suscitam Pratto e cols. (2000), como legitimação recorrente dessa desigualdade por meio dos privilégios rendidos aos opressores, os quais, em sua situação de grupo majoritário, propagam a ideologia da superioridade, e são percebidos como superiores, em razão do estrato social em que são postos: o mundo só é possibilitado de existir em uma relação grupal em que haja um reconhecimento da falácia da dominância social, e na qual se busque a superação dialética desse abismo que divide os grupos.
Só existe relação no mundo, dado que só há relação na mediação.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adorno, T. W., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D. J., & Sanford, R. N. (1950). The authoritarian personality. New York: Norton.
Blumer, H. (1960). Race prejudice as a sense of group position. Pacific Sociological Review, 1, 3-5.
Campbell, D. T. (1965). Ethnocentrism and other altruistic motives. In D. Levine (Ed.), Nebraska symposium on motivation (pp. 283-311). Lincoln: University of Nebraska Press.
Devine, P. G. (1995). Prejudice and out-group perception. Em A. Tesser (Ed.), Advanced social psychology (pp. 467-524). New York: McGraw-Hill.
Marx, K., & Engels, F. (1846:1970). The german ideology. New York: International Publishers.
McClosky, H. (1958). Conservatism and personality. American Political Science Review, 52, 27-45.
Pratto, F., Liu, J. H., Levin, S., Sidanius, J., Shih, M., Bachrach, H. & Hegarty, P. (2000). Social dominance orientation and the legitimization of inequality across cultures. Journal of Cross-Cultural Psychology, 31, 369-409.
Rokeach, M. (1973). The nature of human values. New York: Free Press.
Taylor, D. M. & Moghaddam, F. M. (1994). Theories of intergroup relations: international social psychological perspectives. USA: Praeger Publishers.
Wilson, G. D. (1973). The psychology of conservatism. New York: Academic Press.
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