Foi com muita alegria que recebi de presente, da autora Ana Karina, enquanto eu coordenava o Grupo de Trabalho sobre Psicologia, durante o IV Seminário Enlaçando Sexualidades, na Universidade do Estado da Bahia, em 28 de maio de 2015, este guia que dignifica nossa ciência-profissão: DIGNIDADE DA CRIANÇA EM SITUAÇÃO DE INTERSEXO: Orientações para Família.
De Ana Karina Canguçu-Campinho e Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima, esta cartilha teve mais de uma dezena de colaboradores e foi publicada em 2014, pela Universidade Federal da Bahia e pela Universidade Católica de Salvador, com o apoio do Edital PROEXT/Produtos 2013.
Ela é o resultado de um trabalho de pesquisa interdisciplinar, que considerou a linguagem, as histórias e as experiências de familiares e suas crianças em situação de intersexo, os saberes-fazeres militantes acerca da intersexualidade, entre os quais destaco as contribuições intelectuais do extraordinário Mauro Cabral.
É uma obra bela, tanto esteticamente quanto em termos de conteúdo, que objetiva orientar famílias e que ensina muito e honra a todas/os nós que pesquisamos e nos admiramos com a diversidade do humano, e que trabalhamos para que nossos aprendizados não sejam conhecidos apenas dentro dos muros, físicos ou simbólicos, das universidades.
Que honra ter um exemplar autografado por uma das autoras e por sua colega Andréa Leone, que apresentaram durante o GT.
Caso lhe interesse a leitura, a cartilha pode ser acessada no site http://intersexualidade.com.br e na comunidade Intersexo e Dignidade no Facebook.
Lugar para percepções, ideias e análises a partir de uma visão pessoal, científica e profissional: uma janela, da minha perspectiva, para o mundo. ~o~ Place for perceptions, ideas and analysis from a personal, scientific and professional view: a window, from my perspective, to the world.
sábado, 30 de maio de 2015
quinta-feira, 28 de maio de 2015
Psicologias no Enlaçando Sexualidades 2015: SUCESSO!
Orgulhosa e esperançosa de ver tantos trabalhos lindos, inclusivos e bem fundamentados teoricamente de psicólog@s e estudantes de Psicologia!
Valeu a pena ter proposto o Enlace PSICOLOGIAS para o IV Seminário Enlaçando Sexualidades 2015, não só pelo pioneirismo, mas por ter reafirmado o compromisso social, a diversidade metodológica, a pluralidade epistemológica e o princípio ético-político que regem e enriquecem o saber-fazer da nossa ciência-profissão!
Há esperança na Psicologia.
Valeu a pena ter proposto o Enlace PSICOLOGIAS para o IV Seminário Enlaçando Sexualidades 2015, não só pelo pioneirismo, mas por ter reafirmado o compromisso social, a diversidade metodológica, a pluralidade epistemológica e o princípio ético-político que regem e enriquecem o saber-fazer da nossa ciência-profissão!
Há esperança na Psicologia.
quarta-feira, 27 de maio de 2015
ABORTO NÃO DEVE SER CRIME
Abaixo segue link para a audiência de quinta-feira, 28 de maio (Dia de Luta contra a Mortalidade Materna), no Senado Federal, sobre descriminalização do aborto:
Convidados:
Geniberto Paiva Campos
Representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB
Hermes Rodrigues Nery
Professor, Diretor da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família
Fernanda Takitani
Professora e Pesquisadora do Observatório Interamericano de Biopolítica
Lenise Garcia
Professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília - UnB e Presidente do Movimento Brasil sem Aborto
Thomaz Gollop
Representante do Grupo de Estudos do Aborto - GEA
Jolúzia Batista
Representante da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto
Sandra Valongueiro
Médica Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
A audiência, que será interativa, objetiva instruir a Sugestão nº 15, de 2014, que regula a interrupção voluntária da gravidez, dentro das doze primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde. Comentários já podem ser postados no mural.
Leia o panfleto abaixo para se informar melhor sobre o assunto:
Convidados:
Geniberto Paiva Campos
Representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB
Hermes Rodrigues Nery
Professor, Diretor da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família
Fernanda Takitani
Professora e Pesquisadora do Observatório Interamericano de Biopolítica
Lenise Garcia
Professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília - UnB e Presidente do Movimento Brasil sem Aborto
Thomaz Gollop
Representante do Grupo de Estudos do Aborto - GEA
Jolúzia Batista
Representante da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto
Sandra Valongueiro
Médica Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
A audiência, que será interativa, objetiva instruir a Sugestão nº 15, de 2014, que regula a interrupção voluntária da gravidez, dentro das doze primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde. Comentários já podem ser postados no mural.
Leia o panfleto abaixo para se informar melhor sobre o assunto:
13º Fórum Internacional sobre os Direitos das Mulheres
Estão abertas as inscrições de propostas (até 25 de junho de 2015) para o 13º Fórum Internacional sobre os Direitos das Mulheres - Fórum AWID 2016, que será realizado em Salvador, maio de 2016.
Disponível em http://forum2016.awid.org/homepr?language=10
terça-feira, 26 de maio de 2015
I Dream A World
Langston Hughes. Fonte da foto aqui.
I Dream A World
Langston Hughes
I dream a world where man
No other man will scorn,
Where love will bless the earth
And peace its paths adorn
I dream a world where all
Will know sweet freedom's way,
Where greed no longer saps the soul
Nor avarice blights our day.
A world I dream where black or white,
Whatever race you be,
Will share the bounties of the earth
And every man is free,
Where wretchedness will hang its head
And joy, like a pearl,
Attends the needs of all mankind -
Of such I dream, my world!
sábado, 23 de maio de 2015
Livros para Libertação #74: EVOLUÇÃO DO GÊNERO E DA SEXUALIDADE
Uma leitura imprescindível, em especial para pesquisadores das Ciências Humanas que buscam uma compreensão mais atualizada sobre questões biológicas referente a gênero e a sexualidade: EVOLUÇÃO DO GÊNERO E DA SEXUALIDADE.
Obra monumental de Joan Roughgarden, publicada no Brasil em 2005, pela Editora Planta, de Londrina.
O livro apresenta uma visão crítica e teoricamente subsidiada acerca da teoria da seleção sexual de Darwin, questionando tanto a visão patologizante da biologia molecular e da medicina acerca da diversidade de gênero e sexual humana quanto a perspectiva das Ciências Sociais que trata a variação em gênero e/ou em sexualidade como irracional.
A partir de sua experiência pessoal como mulher trans, a autora sugere uma nova teoria, a da seleção social, que sociabiliza a concepção biologizante da diversidade sexual e de gênero, desestabiliza a primazia do individualismo e enfatiza o papel da cooperação para o desenvolvimento humano, trazendo a concepção de "gene cordial", em contraposto à noção popular de "gene egoísta".
Enfim, uma leitura libertadora, em termos intelectuais e políticos.
Obra monumental de Joan Roughgarden, publicada no Brasil em 2005, pela Editora Planta, de Londrina.
O livro apresenta uma visão crítica e teoricamente subsidiada acerca da teoria da seleção sexual de Darwin, questionando tanto a visão patologizante da biologia molecular e da medicina acerca da diversidade de gênero e sexual humana quanto a perspectiva das Ciências Sociais que trata a variação em gênero e/ou em sexualidade como irracional.
A partir de sua experiência pessoal como mulher trans, a autora sugere uma nova teoria, a da seleção social, que sociabiliza a concepção biologizante da diversidade sexual e de gênero, desestabiliza a primazia do individualismo e enfatiza o papel da cooperação para o desenvolvimento humano, trazendo a concepção de "gene cordial", em contraposto à noção popular de "gene egoísta".
Enfim, uma leitura libertadora, em termos intelectuais e políticos.
quarta-feira, 13 de maio de 2015
Por uma Escola Livre de Preconceitos
Campanha da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE em referência ao 17 de maio, Dia Internacional de Combate à Homofobia. Também pode ser vista aqui.
Hipersexualização e Segregação Social do Homoafetivo Negro
HIPERSEXUALIZAÇÃO E SEGREGAÇÃO SOCIAL DO HOMOAFETIVO NEGRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA EM TORNO DA INTERSECÇÃO ENTRE HOMOFOBIA E RACISMO
Antônio Marcos dos Santos Júnior
Orientadora: Jaqueline Gomes de Jesus
Trabalho apresentado no I Congresso de Diversidade Sexual e Gênero da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Também pode ser lido aqui.
terça-feira, 12 de maio de 2015
Gestão como Doença Social
Resenha de "A gestão como doença social", de Vincent de Gaulejac, por Maria Regina Cariello Moraes, para a Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 37 (126): 287-289, 2012.
Pouco conhecido no âmbito das Ciências Sociais no Brasil, o livro A gestão como doença social, do sociólogo francês Vincent de Gaulejac, contribui elucidativamente para a reflexão acerca da relação entre saúde e condições de trabalho. Embora seja construído em estilo ensaístico, carecendo por vezes de fundamentação conceitual mais rigorosa, é profícuo em insights que desvendam os atuais mecanismos de dominação do novo modelo de gestão proposto pelo capitalismo financeiro, bem como suas legitimações ideológicas. Estas discussões, tanto quanto aquelas referentes às transformações econômicas das últimas décadas, não são inéditas. Foram expostas anteriormente por autores consagrados – tais como Robert Castel, Alain Ehrenberg, Richard Sennet, Ulrich Beck, Boltanski e Chiapello –, os quais a leitura do livro de Gaulejac não dispensa, mas que, todavia, resume de forma bastante didática.
Na primeira parte, a gestão é apresentada como uma tecnologia de poder. Ela própria seria uma ideologia que legitima a mercantilização do ser humano, transformando-o em “capital que convém tornar produtivo” (p. 28). A gestão da qual trata o livro refere-se a um conjunto de técnicas e saberes práticos utilizados nos setores de recursos humanos de grandes empresas, visando orientar condutas e estabelecer uma “cultura corporativa” (p. 20) que mobilize as subjetividades para a realização de um ideal de indivíduo adequado às exigências da nova ordem econômica, ou seja: autônomo, polivalente, criativo, que assuma responsabilidades e arque com riscos. Flexível o suficiente para contornar a instabilidade atual do sistema econômico e superar-se em frequentes situações de adversidade. Em outros termos: um super-humano, que faça sempre melhor e mais rápido.
No atual estágio do capitalismo, a guerra econômica serve de justificativa para o empoderamento empresarial frente a outras instituições e para os sacrifícios exigidos dos trabalhadores. O avanço das tecnologias informáticas e de telecomunicações instituiu uma “ditadura do tempo real” (p. 41); o lucro deve er imediato e os prazos são cada vez mais curtos. A economia já não está a serviço do desenvolvimento da sociedade, torna-se um fim em si, para o qual toda a sociedade deve se direcionar (p. 27). O ritmo da vida ndividual, social e institucional passa a ser determinado pelo ritmo das corporações.
Supõe-se que a experiência humana possa ser traduzida em cálculo. Os índices e os indicadores meritocráticos converteram o ser humano em fator econômico equivalente à matéria-prima e às ferramentas de produção. A objetividade numérica travestida de neutralidade emula uma circunstância igualitária de avaliação, na qual todos possuem as mesmas chances e são tratados da mesma maneira. Porém, a finalidade máxima de lucro prepondera sobre o valor imaterial intrínseco à vida humana. Os indicadores são instrumentos objetivos que escondem a irracionalidade das metas irrealistas e a arbitrariedade das regras empresariais, pois à liberalização total do capital corresponde uma desregulamentação do trabalho (p. 58).
A “ciência gerencial” (p. 66) – que se institui como área de conhecimento após a década de 1960 – trabalha com um ideal de indivíduo que se comporta racionalmente e que é capaz de alcançar sempre mais. Convida-se o indivíduo ao autoaperfeiçoamento incessante e ao gerenciamento racional de si mesmo como se ele próprio fosse uma empresa privada. Predomina o culto da excelência, no qual se incita não apenas a fazer melhor, mas a ser “o” melhor em comparação com outros e consigo mesmo em fases anteriores (p. 84). A exigência de excelência – que jamais pode ser satisfeita, pois sempre é possível melhorar – esconde-se sob o conceito de qualidade. A armadilha residiria no discurso da busca infinita de qualidade, hegemônico nos meios empresariais desde os anos 1990, ao qual dificilmente se pode opor, uma vez que se mostra como realização de um ideal naturalmente humano. A qualidade, enfim, aparece sempre como melhoria, como progresso e não como pressão. Entretanto, essa noção de qualidade é uma utopia de perfeição que remete a um paraíso perdido, a um mundo harmônico e sem contradições, no qual os conflitos são definitivamente superados, conforme assinala Gaulejac (p. 105).
Gerenciar a si mesmo para atingir alto desempenho é uma demonstração de autonomia recompensada pela promessa de sucesso, felicidade e realização pessoal. Essa suposição provém de uma espécie de “equação mágica” (p. 82) que obscurece a impossibilidade de sermos todos excelentes. Luta-se pelos lugares como se todos pudessem ser o número um. Esquece-se que a própria etimologia da palavra excelência comporta intrinsecamente a exclusão daqueles que não atingem determinados requisitos. O culto da qualidade enquanto excelência estimula, portanto, a competição generalizada e o individualismo.
Hoje, a gestão é um modo de relação com o mundo e consigo mesmo que busca racionalizar e otimizar o tempo, o corpo, a mente, a subjetividade, as relações, de modo a tornar a vida mais rentável, mais útil e competitiva na perspectiva de empregabilidade. O novo modelo empresarial de organização se impõe à sociedade, substituindo antigos padrões do exército e das fábricas. As forças produtivas já não estão no corpo, estão na psique. Já não se trata de uma empresa disciplinar, nos moldes descritos por Foucault, mas de um modelo gestionário flexível que pretende seduzir o corpo e a alma, envolver a psique e orientá-la para a capitalização das empresas (p. 110).
Na segunda parte do livro, o autor questiona os motivos que teriam levado a sociedade a aderir ao modo de gestão em suas mais variadas esferas – política, educação, saúde, família, afetos. “Gestão é um sistema de interpretação do mundo social” (p. 64), diz Gaulejac, comporta uma “visão de mundo e um sistema de crenças” (p. 65) que oferecem uma ilusão de onipotência e de poder. Ao contrário da gestão disciplinar, que atuava no superego de maneira a impor ordens e reprimir o desejo, o novo formato de gestão propõe regras que excitam o ego, prometendo-lhe satisfação do desejo sem limites. A energia libidinal é canalizada para o trabalho como forma de realização pessoal subjetiva, o que o autor denomina de “ideologia da realização de si mesmo” (p. 77).
A nova gestão mobiliza “o gosto humano por empreender, o desejo de progredir, a celebração do mérito ou o culto da qualidade” (p. 81). O investimento psíquico em desempenho de excelência e autonomia funcionaria, então, como reforço narcísico. Conforme Gaulejac, o sucesso do novo modelo deve-se à confusão entre o desejo de reconhecimento e uma fantasia narcísica de onipotência que é projetada nas empresas e reiterada pelo discurso de que o crescimento pessoal do indivíduo corresponde ao crescimento da corporação. A autonomia idealizada pelos setores de recursos humanos é uma identificação do indivíduo
com a empresa. Uma “autonomia controlada” (p. 92) que gera uma forma de dependência psíquica, pois, para ser reconhecido como produtivo e excelente, o indivíduo deve submeter-se a critérios de qualidade que não são estabelecidos por ele.
A doença social mencionada no título refere-se aos paradoxos criados por esse formato de gestão e ao acobertamento da violência simbólica pelas novas regras do trabalho flexível. Os problemas sociais e os conflitos são transferidos para o plano individual e são tratados como distúrbios pessoais. Por outro lado, o fracasso abre uma ferida narcísica, estigmatiza o perdedor como um peso social, pois já não é permitido ser limitado. O método de quantificação da qualidade opera pela desqualificação do que é humano, pela ameaça de avaliação negativa, culpabilizando os desempregados, os precarizados e os assalariados por sua insuficiência e inaptidão para alcançar metas inacessíveis.
Os paradoxos propostos pela gestão hipermoderna podem ser considerados, por si, fatores de adoecimento físico ou psíquico à medida que a pressão exercida pelas exigências empresariais é perturbadora e estimula a construção de uma “subjetividade fluida” (p. 187). Gaulejac afirma, entretanto, que a adesão total aos princípios e às regras das empresas ocorre apenas “de fachada” (p. 135). Em grande parte dos casos, os indivíduos se fragmentam internamente ou mergulham na hiperatividade para não pensarem na dinâmica de uma situação da qual não têm como sair. A ação contínua é fortemente estimulada, pois a estagnação representa fracasso. Mas quando o “sentido da ação se resume em ser campeão” (p. 169), advém daí uma crise simbólica que retira o significado da própria vida.
Não é à toa que na Saúde Pública anuncia-se uma epidemia de distúrbios psíquicos. O discurso do gerenciamento pela qualidade é circular e enlouquecedor em suas inúmeras ambiguidades. A lógica qualitativa do discurso choca-se com a lógica quantitativa da prática. Enaltece-se o valor humano e busca-se o lucro máximo a qualquer custo. Pede-se “autonomia em um mundo hipercoercitivo” (p. 117), criatividade “em um mundo hiper-racional” (p. 117), compromisso intenso com os projetos da empresa e flexibilidade para desligar-se a qualquer instante. O individuo é livre para, enfim, seguir um programa imposto de qualidade máxima.
Diversos distúrbios e enfermidades atingem os desempregados e aqueles que permanecem ativos no mercado profissional, porém submetidos a alto nível de estresse. O estresse, todavia, não é considerado um problema; é antes uma decorrência “natural” (p. 221) da busca legítima por um lugar de excelência e autorrealização. Cabe a cada um se adaptar e gerenciar seu nível de estresse, resistindo à vulnerabilidade psíquica ocasionada pelas condições de trabalho. Como se sabe, as doenças psicossomáticas decorrentes do trabalho são de difícil comprovação. A gestão de si e o autocuidado com a saúde física e psíquica apresentam-se, então, como solução para um problema que a própria atividade de gestão cria. Novamente é o ideal da qualidade de vida, também medida por índices, que alerta o quão se pode ser mais saudável: só depende de cada um aplicar o método milagroso da gestão racional em si mesmo.
Embora Gaulejac siga uma linha de crítica contundente ao longo do livro, repete mais de uma vez que a “gestão não é um mal em si” (p. 29, p. 144). Conclama a substituição da “gestão de recursos humanos” por uma “gestão humana de recursos” (p. 145) de forma a construir “outro mundo possível” (p. 299), para o qual a Sociologia poderia contribuir. Ao final, entretanto, fica a impressão de que o autor foi, enfim, também ele contaminado pelo vírus da qualidade, sucumbindo ao mito da terra sem males, sem conflitos, sem contradições, sem ideologias, onde pudesse haver uma gestão que não fosse permeada por técnicas de dominação e exercício do poder. Apesar destas considerações, fica aqui a recomendação de leitura, certamente inspiradora tanto para a Sociologia do Trabalho, quanto para a Sociologia da Saúde.
Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social
Vincent de Gaulejac. Tradução: Ivo Storniolo. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.
Pouco conhecido no âmbito das Ciências Sociais no Brasil, o livro A gestão como doença social, do sociólogo francês Vincent de Gaulejac, contribui elucidativamente para a reflexão acerca da relação entre saúde e condições de trabalho. Embora seja construído em estilo ensaístico, carecendo por vezes de fundamentação conceitual mais rigorosa, é profícuo em insights que desvendam os atuais mecanismos de dominação do novo modelo de gestão proposto pelo capitalismo financeiro, bem como suas legitimações ideológicas. Estas discussões, tanto quanto aquelas referentes às transformações econômicas das últimas décadas, não são inéditas. Foram expostas anteriormente por autores consagrados – tais como Robert Castel, Alain Ehrenberg, Richard Sennet, Ulrich Beck, Boltanski e Chiapello –, os quais a leitura do livro de Gaulejac não dispensa, mas que, todavia, resume de forma bastante didática.
Na primeira parte, a gestão é apresentada como uma tecnologia de poder. Ela própria seria uma ideologia que legitima a mercantilização do ser humano, transformando-o em “capital que convém tornar produtivo” (p. 28). A gestão da qual trata o livro refere-se a um conjunto de técnicas e saberes práticos utilizados nos setores de recursos humanos de grandes empresas, visando orientar condutas e estabelecer uma “cultura corporativa” (p. 20) que mobilize as subjetividades para a realização de um ideal de indivíduo adequado às exigências da nova ordem econômica, ou seja: autônomo, polivalente, criativo, que assuma responsabilidades e arque com riscos. Flexível o suficiente para contornar a instabilidade atual do sistema econômico e superar-se em frequentes situações de adversidade. Em outros termos: um super-humano, que faça sempre melhor e mais rápido.
No atual estágio do capitalismo, a guerra econômica serve de justificativa para o empoderamento empresarial frente a outras instituições e para os sacrifícios exigidos dos trabalhadores. O avanço das tecnologias informáticas e de telecomunicações instituiu uma “ditadura do tempo real” (p. 41); o lucro deve er imediato e os prazos são cada vez mais curtos. A economia já não está a serviço do desenvolvimento da sociedade, torna-se um fim em si, para o qual toda a sociedade deve se direcionar (p. 27). O ritmo da vida ndividual, social e institucional passa a ser determinado pelo ritmo das corporações.
Supõe-se que a experiência humana possa ser traduzida em cálculo. Os índices e os indicadores meritocráticos converteram o ser humano em fator econômico equivalente à matéria-prima e às ferramentas de produção. A objetividade numérica travestida de neutralidade emula uma circunstância igualitária de avaliação, na qual todos possuem as mesmas chances e são tratados da mesma maneira. Porém, a finalidade máxima de lucro prepondera sobre o valor imaterial intrínseco à vida humana. Os indicadores são instrumentos objetivos que escondem a irracionalidade das metas irrealistas e a arbitrariedade das regras empresariais, pois à liberalização total do capital corresponde uma desregulamentação do trabalho (p. 58).
A “ciência gerencial” (p. 66) – que se institui como área de conhecimento após a década de 1960 – trabalha com um ideal de indivíduo que se comporta racionalmente e que é capaz de alcançar sempre mais. Convida-se o indivíduo ao autoaperfeiçoamento incessante e ao gerenciamento racional de si mesmo como se ele próprio fosse uma empresa privada. Predomina o culto da excelência, no qual se incita não apenas a fazer melhor, mas a ser “o” melhor em comparação com outros e consigo mesmo em fases anteriores (p. 84). A exigência de excelência – que jamais pode ser satisfeita, pois sempre é possível melhorar – esconde-se sob o conceito de qualidade. A armadilha residiria no discurso da busca infinita de qualidade, hegemônico nos meios empresariais desde os anos 1990, ao qual dificilmente se pode opor, uma vez que se mostra como realização de um ideal naturalmente humano. A qualidade, enfim, aparece sempre como melhoria, como progresso e não como pressão. Entretanto, essa noção de qualidade é uma utopia de perfeição que remete a um paraíso perdido, a um mundo harmônico e sem contradições, no qual os conflitos são definitivamente superados, conforme assinala Gaulejac (p. 105).
Gerenciar a si mesmo para atingir alto desempenho é uma demonstração de autonomia recompensada pela promessa de sucesso, felicidade e realização pessoal. Essa suposição provém de uma espécie de “equação mágica” (p. 82) que obscurece a impossibilidade de sermos todos excelentes. Luta-se pelos lugares como se todos pudessem ser o número um. Esquece-se que a própria etimologia da palavra excelência comporta intrinsecamente a exclusão daqueles que não atingem determinados requisitos. O culto da qualidade enquanto excelência estimula, portanto, a competição generalizada e o individualismo.
Hoje, a gestão é um modo de relação com o mundo e consigo mesmo que busca racionalizar e otimizar o tempo, o corpo, a mente, a subjetividade, as relações, de modo a tornar a vida mais rentável, mais útil e competitiva na perspectiva de empregabilidade. O novo modelo empresarial de organização se impõe à sociedade, substituindo antigos padrões do exército e das fábricas. As forças produtivas já não estão no corpo, estão na psique. Já não se trata de uma empresa disciplinar, nos moldes descritos por Foucault, mas de um modelo gestionário flexível que pretende seduzir o corpo e a alma, envolver a psique e orientá-la para a capitalização das empresas (p. 110).
Na segunda parte do livro, o autor questiona os motivos que teriam levado a sociedade a aderir ao modo de gestão em suas mais variadas esferas – política, educação, saúde, família, afetos. “Gestão é um sistema de interpretação do mundo social” (p. 64), diz Gaulejac, comporta uma “visão de mundo e um sistema de crenças” (p. 65) que oferecem uma ilusão de onipotência e de poder. Ao contrário da gestão disciplinar, que atuava no superego de maneira a impor ordens e reprimir o desejo, o novo formato de gestão propõe regras que excitam o ego, prometendo-lhe satisfação do desejo sem limites. A energia libidinal é canalizada para o trabalho como forma de realização pessoal subjetiva, o que o autor denomina de “ideologia da realização de si mesmo” (p. 77).
A nova gestão mobiliza “o gosto humano por empreender, o desejo de progredir, a celebração do mérito ou o culto da qualidade” (p. 81). O investimento psíquico em desempenho de excelência e autonomia funcionaria, então, como reforço narcísico. Conforme Gaulejac, o sucesso do novo modelo deve-se à confusão entre o desejo de reconhecimento e uma fantasia narcísica de onipotência que é projetada nas empresas e reiterada pelo discurso de que o crescimento pessoal do indivíduo corresponde ao crescimento da corporação. A autonomia idealizada pelos setores de recursos humanos é uma identificação do indivíduo
com a empresa. Uma “autonomia controlada” (p. 92) que gera uma forma de dependência psíquica, pois, para ser reconhecido como produtivo e excelente, o indivíduo deve submeter-se a critérios de qualidade que não são estabelecidos por ele.
A doença social mencionada no título refere-se aos paradoxos criados por esse formato de gestão e ao acobertamento da violência simbólica pelas novas regras do trabalho flexível. Os problemas sociais e os conflitos são transferidos para o plano individual e são tratados como distúrbios pessoais. Por outro lado, o fracasso abre uma ferida narcísica, estigmatiza o perdedor como um peso social, pois já não é permitido ser limitado. O método de quantificação da qualidade opera pela desqualificação do que é humano, pela ameaça de avaliação negativa, culpabilizando os desempregados, os precarizados e os assalariados por sua insuficiência e inaptidão para alcançar metas inacessíveis.
Os paradoxos propostos pela gestão hipermoderna podem ser considerados, por si, fatores de adoecimento físico ou psíquico à medida que a pressão exercida pelas exigências empresariais é perturbadora e estimula a construção de uma “subjetividade fluida” (p. 187). Gaulejac afirma, entretanto, que a adesão total aos princípios e às regras das empresas ocorre apenas “de fachada” (p. 135). Em grande parte dos casos, os indivíduos se fragmentam internamente ou mergulham na hiperatividade para não pensarem na dinâmica de uma situação da qual não têm como sair. A ação contínua é fortemente estimulada, pois a estagnação representa fracasso. Mas quando o “sentido da ação se resume em ser campeão” (p. 169), advém daí uma crise simbólica que retira o significado da própria vida.
Não é à toa que na Saúde Pública anuncia-se uma epidemia de distúrbios psíquicos. O discurso do gerenciamento pela qualidade é circular e enlouquecedor em suas inúmeras ambiguidades. A lógica qualitativa do discurso choca-se com a lógica quantitativa da prática. Enaltece-se o valor humano e busca-se o lucro máximo a qualquer custo. Pede-se “autonomia em um mundo hipercoercitivo” (p. 117), criatividade “em um mundo hiper-racional” (p. 117), compromisso intenso com os projetos da empresa e flexibilidade para desligar-se a qualquer instante. O individuo é livre para, enfim, seguir um programa imposto de qualidade máxima.
Diversos distúrbios e enfermidades atingem os desempregados e aqueles que permanecem ativos no mercado profissional, porém submetidos a alto nível de estresse. O estresse, todavia, não é considerado um problema; é antes uma decorrência “natural” (p. 221) da busca legítima por um lugar de excelência e autorrealização. Cabe a cada um se adaptar e gerenciar seu nível de estresse, resistindo à vulnerabilidade psíquica ocasionada pelas condições de trabalho. Como se sabe, as doenças psicossomáticas decorrentes do trabalho são de difícil comprovação. A gestão de si e o autocuidado com a saúde física e psíquica apresentam-se, então, como solução para um problema que a própria atividade de gestão cria. Novamente é o ideal da qualidade de vida, também medida por índices, que alerta o quão se pode ser mais saudável: só depende de cada um aplicar o método milagroso da gestão racional em si mesmo.
Embora Gaulejac siga uma linha de crítica contundente ao longo do livro, repete mais de uma vez que a “gestão não é um mal em si” (p. 29, p. 144). Conclama a substituição da “gestão de recursos humanos” por uma “gestão humana de recursos” (p. 145) de forma a construir “outro mundo possível” (p. 299), para o qual a Sociologia poderia contribuir. Ao final, entretanto, fica a impressão de que o autor foi, enfim, também ele contaminado pelo vírus da qualidade, sucumbindo ao mito da terra sem males, sem conflitos, sem contradições, sem ideologias, onde pudesse haver uma gestão que não fosse permeada por técnicas de dominação e exercício do poder. Apesar destas considerações, fica aqui a recomendação de leitura, certamente inspiradora tanto para a Sociologia do Trabalho, quanto para a Sociologia da Saúde.
Maria Regina Cariello Moraes
Doutoranda em Sociologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo
São Paulo, SP, Brasil.
e-mail: reginacariello@uol.com.br
segunda-feira, 11 de maio de 2015
EU SOU UM CARTAZ HIV POSITIVO
"Minhas medidas são 40 x 60 centímetros.
Fui impresso em papel Alta Alvura e minha gramatura é 250.
Eu sou exatamente como qualquer outro cartaz.
Com um detalhe: sou HIV positivo.
É isso mesmo que você leu. Sou portador do vírus.
Carrego em mim uma gota de sangue HIV positivo. De verdade.
Neste momento, você pode estar dando um passo para trás se perguntando se eu ofereço algum perigo.
Minha resposta é: nem de longe.
Por isso, o sangue neste cartaz não traz nenhum perigo.
Assim como conviver com um soropositivo.
Você contrai o HIV se tiver relações sexuais sem preservativos com alguém que não está em tratamento efetivo, se partilhar de agulhas e seringas com sangue contaminado.
Sim, você pode conviver comigo e com qualquer pessoa soropositiva numa boa.
Nós podemos exercer nossa função na sociedade perfeitamente.
E arrisco dizer que, se eu não tivesse revelado que tenho HIV, talvez você nem tivesse notado.
Porque ser soropositivo não determina quem você é.
Seja para um cartaz ou para um ser humano.
Se o preconceito é uma doença, a informação é a cura".
Campanha do GIV - Grupo de Incentivo à Vida, com cartazes que contêm sangue de portadoras do HIV.
Permitam-me discordar em apenas um ponto: a informação precisa do afeto para curar preconceitos.
domingo, 10 de maio de 2015
Despatologização no 9º CONPSI
Mesa Redonda "A Psicopatologização das Transidentidades"
16/05/2015, sábado (09:40 às 11:10)
Local: Centro de Convenções da Bahia, sala 19
Sexualidade e Estudos Psicológicos de questões lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros
Rebeca Valadão Bussinger
O Processo de Patologização das Transidentidades e o Fazer Psicológico no Brasil
Marco Aurélio Máximo Prado
(Des)patologização e identidades de gênero: um desafio para a Psicologia
Elisabeth Fernandes
Patologização, Estigma, Desumanização e Cidadania
Jaqueline Gomes de Jesus
Maiores informações em http://www.conpsi2015.com.br
Assinar:
Postagens (Atom)