* Epifania é um termo técnico para o momento em que a pessoa trans se toca da sua identidade de gênero.
Ver e ouvir Elis Miranda e Ivan(a) me deixa mais orgulhosa de ser uma mulher trans - e olha que eu já amo ser uma mulher trans!
Tudo bem que a situação utilizada para explicitar a condição não ocorre na vida "real", isso é o de menos, pois a cena foi extremamente didática - tanto para o personagem quanto, principalmente, para os espectadores leigos. Perfeita linguagem ficcional para quem não tem o mínimo de reflexão sobre gênero, para além do senso comum.
Apesar de falhas conceituais aqui e ali, considero que a novela, como complexa produção audiovisual, escrita e produzida por dezenas de pessoas, tem sido, de forma geral, bastante positiva para a visibilidade trans.
E saibam: eu não escrevo aqui babando a Rede Globo. Não preciso nem quero isso. Apenas acho necessário reconhecer o belo e importante trabalho que tem sido feito (ao contrário das outras emissoras, que nada ou mal têm feito).
A ficção é um campo em que as discussões sobre a população trans são raras, muita informação é produzida em forma de postagens, artigos, ensaios, artigos científicos e até livros, porém muito pouco no formato de filmes, peças, novelas, etc.
Essa área é estratégica para o reconhecimento da humanidade das pessoas trans - algo ainda em construção no Brasil.
Para superar os medos e preconceitos não basta apenas informar, é preciso gerar empatia, por meio do afeto, daquela dimensão que as artes, com o seu saber-fazer, potencializam, para além do verbal, por meio das palavras mas tocando os corações, não só as mentes.
Um dos mais poderosos caminhos para a superação do medo do que não conhecemos - termo técnico: hostilidade autística - é a proximidade, a convivência. Ela não resolve tudo por si só, entretanto torna mais familiar o que antes era estranho ou até mesmo inimaginável.
A presença qualificada de personagens como Ivan(a) e Elis Miranda, com suas possibilidades e limitações, na cena televisiva, aproxima milhares de pessoas cis - que não são trans - das pessoas trans. Isso também é uma forma de convivência, e faz toda a diferença no mundo das relações pessoais.
Recebo com bastante entusiasmo e esperança as repercussões da novela.
Parabenizo Glória Perez e toda a equipe que trabalha para dar coesão a essa obra coletiva, ao mesmo tempo em que insisto para que os movimentos trans - tanto o organizado quanto os autônomos - aproveitem ao máximo este momento, para exigirem do Estado políticas públicas em prol da cidadanização de nossa população: inclusão educacional e no mundo do trabalho formal, formação de mais pessoas trans em toda a cadeia produtiva da Economia Criativa (não só como atrizes e atores, mas também como roteiristas, diretores, cenógrafos, figurinistas, etc), entre outras iniciativas que já estão pautadas.
E se o Estado não responder, em toda a sua irresponsabilidade e transfobia estrutural, que haja auto-organização, para que, um dia, tenhamos de fato uma comunidade trans aqui no Brasil, ligada pelo compartilhamento de representações em comum e, principalmente, pelo afeto.
Ivan(a), representado pela atriz Carol Duarte.