OS TRAJETOS NO CORPO
Jaqueline Gomes de Jesus
Meu marido é carioca. Há anos perguntou aonde podíamos ir para comprar uma estante de metal. Eu não sabia. Busquei a resposta com amigos e eles também não. Rodando pela cidade encontramos ótima opção no SIA. Outra vez ele queria indicação de mecânico, nenhum conhecido tinha algum de confiança, exceto a nossa diarista, que mora em Anápolis, mas conhecia um amigo do primo de um irmão dela que tinha uma oficina aqui no Plano.
A W3 Norte foi uma descoberta entusiasmante para o meu marido, pela quantidade de serviços de qualidade a custos baixos que há ali. Taguatinga também, e lhe lembrou o comércio frenético do subúrbio do Rio. Por outro lado, a quantidade de serviços ruins, caros, porém frequentados por clientela fiel em Brasília o apavorou.
Desde então tornamo-nos fregueses de móveis encomendados na Torre de TV, das castanhas e frutas desidratadas da Feira do Paraguai e de eventuais cafés da manhã na do Guará. Sempre com o empecilho de distâncias inevitáveis, porque não há transporte público que chegue a determinados lugares ou que seja confortável.
Essa experiência me fez perceber o quanto ignorava a minha falta de vivência com a cidade. Na minha cabeça o corpo da cidade é enorme e fluido, entretanto, na prática não o vivo na plenitude, e sei que outros moradores daqui também não. A relação dos brasilienses com o corpo de Brasília é distante, alienada até. Sabemos pouco sobre o que há no trajeto entre nossa casa e o trabalho, não exploramos o potencial da cidade. Tornamo-nos acomodados com o que aí está. Desatentos para estimular o que é melhor.
Essa falta de conhecimento de onde achar o que se quer em Brasília teria a ver com uma visão limitada sobre a cidade? Seria uma falha de quem se interessa apenas pelo que está ao lado, não olha para além da sua quadra ou da sua região?
Talvez seja provincianismo, que já foi visto como pejorativo por aqui, não mais. Décadas atrás uma amiga reclamava de como Taguatinga lhe era provinciana. Recentemente, uma autoridade exaltou o Guará como uma “cidade interiorana e provinciana”.
Além da multiplicação de cidades na cidade, quer-se criar orgulhosas comunidades de interior, e provincianas, na Capital Federal? Parece contraditório, quando se lembra que estamos em uma, repito, Capital Federal, sede de representações internacionais e terceira maior metrópole do país, com 3 milhões e quinhentos mil habitantes.
O provincianismo faz sentido quando se percebe que esse é o rosto que alguns de nós querem para a parte de Brasília onde vivemos, e que nos lembra uma comunidade. Aonde chegaremos?
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