terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Parque da Cidade: Um Olhar Afetuoso

Foto: pubturismobrasilia.blogspot.com
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Jaqueline Gomes de jesus
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* Acredito que, se a alma de Brasília está no Beirute, como dizem, então o seu coração está no Parque da Cidade. Quem é da Capital me entende, e mais: se tem a minha idade, que é a mesma do Parque, decerto lhe vem à mente, senão as pistas de caminhada divididas com bicicletas, os velhos pedalinhos no lago, a piscina de ondas (ou será “com” ondas?), ou então o foguete do parque Ana Lídia, parque dentro do Parque (e ao mesmo tempo memorial da violência contra a inocência), onde as crianças se aventuram por sobre uma ponte suspensa para galgar as alturas e voltar ao areal descendo por uma escadaria circular, onde os pais as esperam recordando, nostálgicos, de suas próprias aventuras naquele brinquedo maravilhoso, com vida própria.
Tem uma visão simplista quem acha que o Parque da Cidade, com seus muitos nomes – Rogério Pithon Farias, Dona Sarah Kubitschek –, todos da Cidade, é apenas o lugar preferido do brasiliense para se divertir ou se exercitar: não. Essa área não é só um terreno de 400 hectares entre a Asa Sul e o Sudoeste, é um território no qual convivem, conflituosa e abertamente, expectativas, desejos, catarse, amor em suas diversas manifestações.
Lugar onde a rotina de liberdade e libertinagem que os portões abertos das cinco da manhã às cinco da manhã permitem. É costume ter de enfrentar surtos de repressão, conservadorismo ou apenas razão, bom senso.
Imagino que o visitante que fosse realmente informado sobre a vida no Parque da Cidade se espantaria que algo dessa complexidade possa existir no centro de uma metrópole cada vez mais nervosa e continuar sendo o seu coração. Para o brasiliense, ou candango, como queiram, isso é normal.
Se a alma de Brasília é um bar assaz democrático, de remota origem árabe e herança cearense que serve mishuês à parmegiana, o coração de Brasília é um parque, também deveras democrático, onde as conversas e atos mais secretos que a noite protege podem dividir o mesmo banco onde a família serve o churrasco do domingo.
O Parque da Cidade é patrimônio afetivo de toda Brasília, não somente do Plano Piloto. Claro, todos os parques são públicos, porém, diferentemente de outros, o Parque da Cidade não é querido profundamente apenas por quem mora perto dele. O Parque Olhos D’água, por exemplo: todos o valorizam por sua organização, mas querê-lo como a um ente indissociável de nossa vida... Ora, o Parque da Cidade pulsa no imaginário brasiliense como um lugar ensolarado, grandiloqüente, de encontro para quaisquer Eduardos e Mônicas, de desordem também, mas de liberdade, sempre. O Parque Olhos D’água, na sua singeleza, preciosidade e ordem, merece uma crônica apenas sua.
Enfim, não vamos nos prender em comparações sem sentido enquanto podemos reavivar nossa percepção sobre os detalhes pequenos mas deliciosos do Parque da Cidade: a monumental Praça das Fontes, repleta de cores estupendas que poucos enxergam; o Nicolândia –, outro parque dentro do Parque! Porém sem o significado histórico do outro, que lhe é vizinho –, cuja melhor apresentação é à noite, quando ele tirita luzinhas vívidas. É também uma experiência esclarecedora sobre a capital pegar carona na roda gigante e vislumbrar os verdes, brancos e vermelhos salpicados em toda cidade, até o horizonte.
Os bambus que se avolumam e cercam a parte leste do Parque... Quando era pequena eu não me atrevia a me embrenhar naquele verde, temendo sei lá o quê. Para mim esse sempre foi um lugar incógnito, uma divisa entre a exaltação da vida no Parque da Cidade e o respeito à morte no Campo da Esperança. Já adolescente, um amigo praticante no Candomblé me disse:
— Iansã reina no Parque da Cidade, os bambus de lá mostram isso, além dos tantos raios que caem ali!
É, o Parque é abrigo para qualquer opinião, não importa se é dia ou noite, céu de brigadeiro ou tempestade. Ele é refúgio até mesmo para os que buscam prazer imediato e sem compromisso... Recordando de outro colega, esse me confessou que costumava freqüentar os estacionamentos do Parque, na hora do almoço, para encontros furtivos, e me afirmou que essa era a rotina de muitos outros trabalhadores.
Parece que o fato de ser psicóloga estimula algumas pessoas próximas a me terem como uma ouvinte segura e imparcial... Isso, porém, é outra história. E por favor, não me questione maiores detalhes sobre aquela estória.
Voltando ao nosso assunto, termino este texto lembrando dos almoços e churrascos de fim de semana, e daquela vista estupenda que se tem de quase toda a Asa Sul, e além, ornada de prédios aqui e matas lá, com o chamariz que é a pirâmide do Templo da Boa Vontade logo ali... Se você não souber onde fica esse mirante, explore mais o Parque da Cidade de Brasília!
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