quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Vocês, Os Perversos! - Poema de Jaqueline Gomes de Jesus

 Orfeu e as Bacantes, de Gregorio Lazzarini (Óleo sobre tela, 1710).



VOCÊS, OS PERVERSOS!

Jaqueline Gomes de Jesus

Um poema inspirado em Lélia Gonzales, Maya Angelou e Glória Anzaldúa.


À memória de Xica Manicongo e todas transcestrais.


Aquela preta só tinha o vaso traseiro,

Eu não podia fazer nela minha cria

Não podia me dar prole pro meu lucro futuro.

De que vale uma peça que não procria?

Nem vou te chamar de mulher: Quimbanda!

Rebolando pra vender sapatos pro seu dono.

Abaixa a cabeça! Eu te como e cuspo,

Só vales pra foder! A Lei protege o bom cristão.


Aquilo virou puta, não mais vende sapatos.

Os meninos gargalham e lhe chamam pelo nome: Travesti!

Jogam bosta porque são calmos, senão linchavam:

Vou dar uma arma pra eles virarem homens.

Volta pro quarto escuro, sai da luz do dia!

Anoiteceu, você pode cantar neste palco pra mim.

Não se atreva a pisar na rua em vestido de mulher.

Engane os outros, mas quem decide é a gente de bem.


A polícia chegou - aplausos! Ela corta os pulsos - aidética.

Quem apavora as famílias? Vocês, os perversos!

Quem teria coragem de andar com você, sendo triste assim?

Quem poderia lhe amar, sendo tão agressiva?

Quem poderia confiar em você, sendo tão doce e risonha?

Entra no camburão, lava a delegacia, dá e alivia quem te quiser.

Hoje só vai apanhar, amanhã vão te matar,

Limpar as calçadas para que passem esses cidadãos de bem.


Como alguns conseguiram viver fora das paredes com as quais lhes aprisionamos?

Vocês não podem ter alegria, amor, o bom é você apanhar.

Não contamine seu dono, ele sempre mete sem dó.

Estão tentando estudar conosco? Mas vocês são o objeto!

Uma de vocês até começou a dar aula - como deixaram?

Que tempos são estes em que o lixo fala, e numa boa?

Saia do banheiro das meninas, entre neste pra ter surra ou curra!

Fora da escola, do hospital, da casa de família de bem!


Vou te pôr no seu lugar. Grito: Travesti!

Você me afronta: TRAVESTI, SIM! Diz que vou pra cadeia.

Vou te diagnosticar. Escrevo no laudo: TRANSEXUAL!

Você me afronta: TRANSEXUAL, SIM! E escreve meu laudo.

Mas quem decidirá sou eu! Grito pra cada um: Homem! Mulher!

Vocês desmentem: NÃO, MULHER! NÃO, HOMEM! NÃO BINÁRIO!

Agora são vocês que querem decidir, chamam a si mesmos de TRANS.

E o horror: chamam a si mesmos pelos nomes que bem lhes convier!


Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 2021.

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