domingo, 30 de janeiro de 2022

A Transfobia Recreativa Não Vencerá

Imagem: Reprodução/TV Globo

A TRANSFOBIA RECREATIVA NÃO VENCERÁ
Jaqueline Gomes de Jesus*

O assédio pode ser caracterizado como o conjunto de práticas discriminatórias recorrentes, com o objetivo de excluir a pessoa assediada do ambiente que ela compartilha com o(a) assediador(a) e as testemunhas do assédio, ou espectadores, que se tornam cúmplices quando silenciam, seja por medo ou anuência. Esse objetivo costuma ser alcançado por meio de desestabilização, isolamento e difamação.

A discriminação negativa histórica, a banalização da violência e a resignação face às injustiças, em nossa cultura, são fatores explicativos de porque o assédio, moral e/ou sexual, é especialmente praticado em ambientes excessivamente competitivos, por sujeitos movidos por antipatia, preconceitos diversos ou até mesmo “inveja patológica”, por razões tão íntimas e subjetivas, como achar a pessoa mais bonita, inteligente, influente ou abastada e se mover para depreciá-la.

Fiz esse preâmbulo para explicar de maneira sucinta os processos psicossociais que estão por trás da explícita transfobia de caráter recreativo, portanto perverso e cínico, que a cantora e atriz Linn da Quebrada vem sofrendo desde que entrou na edição 22 da casa do Big Brother Brasil, envolvendo desde chamá-la no masculino, mesmo vendo um “Ela” estampado em sua testa, desrespeitando sua identidade de gênero feminina, até chamá-la de “traveco”, como se o homem que usa o termo ignorasse a própria cultura e a língua portuguesa do Brasil, que evidencia o caráter depreciativo e ridicularizante da palavra.

Precisa-se explicitar que, na educação transfóbica, é cotidiano tratar as travestis e demais pessoas trans com menosprezo, objetificando, negando a possibilidade de serem ouvidas e valorizadas para além das margens que a sociedade há séculos nos relega. Porém, apesar de tanta tortura psicológica e física, chegando ao assassinato, seguimos resistindo há séculos, e é significativo, em vários sentidos, o fato de termos a primeira travesti em uma edição do referido reality show, onze anos após a participação da modelo e apresentadora Ariadna Arantes no BBB 11, a qual foi coagida e discriminada pelos meios de comunicação simplesmente por ser uma mulher trans. Desta vez, há um coletivo muito mais organizado, atuante e com voz em diferentes organizações para defendê-la, desde a sua entrada durante janeiro, mês da visibilidade trans.

Importante lembrar que, apesar dos sedutores cantos da Sociedade do Espetáculo, ser visível significa, igualmente, tornar-se alvo, especialmente quando se é uma travesti preta que sobreviveu ao transfeminicídio, no país que mais mata mulheres trans e travestis. Uma artista que tem alcançado sucesso e reconhecimento por seu intelecto e criatividade dentro dos gêneros musicais periféricos que dominou, o hip hop e o funk, agora amplamente exposta no programa de maior audiência e repercussão da televisão brasileira. Isso é fundamental para superarmos a invisibilização, ou a visibilidade negativa, e a convivência também é imprescindível para o esvaziamento dos estereótipos, porém isso tudo não encerra, por si só, nem imediatamente, os estigmas que cercam a população trans brasileira, especialmente no momento histórico que vivemos, repleto de fundamentalismo político-religioso.

É imprescindível, não apenas a travestis, mulheres trans, homens trans e pessoas não-binárias, mas também a toda e qualquer pessoa cis (que não é trans), que seja aliada ou apenas acredita que todos precisam ser tratados como cidadãos, questionar a naturalidade dos maus tratos que Linn vem sofrendo em rede nacional! O discurso da solidariedade precisa ser praticado como empatia, e essa prática exige que não sejamos apenas espectadores alienados, satisfeitos em apenas reclamar em nossas redes sociais e grupos fechados.

Gosto de lembrar do que ensinou o movimento negro, em 1994, quando grupos organizados recorreram à Justiça contra uma cena de racismo na novela Pátria Minha, exibida na Rede Globo. O argumento reconhecido foi o de que o problema não era mostrar o preconceito racial intrínseco à cultura brasileira, mas, isso sim, não questioná-lo, como se gerações de pessoas negras não se revoltassem e se mobilizassem contra a discriminação. Após a denúncia pública, para se tentar reparar o dano já feito, foi exibida outra cena, em que uma protagonista, interpretada pela atriz Chica Xavier, condenava explicitamente o racismo e ensinava que jamais houve anuência da população afro-brasileira com a discriminação.

Evidenciando aprendizado a partir deste e de outros episódios, além da mobilização online, a própria Globo interveio no BBB, ressaltando que se deve respeitar a forma como as pessoas se apresentam e dando a voz à própria Linn, para que falasse sobre a questão e, assim, fosse protagonista, representando milhões de pessoas trans Brasil afora, condenando o descuido ou mesmo má-fé no reconhecimento de sua identidade de gênero. Isso não redunda que cesse imediatamente a transfobia, no programa, por exemplo, seguem tratamentos inadequados por parte de jogadores que usam de perversa estratégia para desestabilizar a Linn, porém já é um avanço essa tática ser questionado publicamente.

Concluo ressaltando o que nos ensina a literatura especializada: podemos prevenir o assédio, questionando a banalidade do mal e a permissibilidade frente a qualquer forma de violência, mesmo a verbal, por meio de uma piada ou uma palavra mal colocada; reforçando os laços sociais e de solidariedade dentro e fora dos ambientes que frequentamos; registrando tudo; buscando apoio junto a coletivos e entidades.

Foi o que aprendemos com quem sofreu e resistiu antes de nós: se as suas lutas não alcançaram as conquistas almejadas, outro tipo de vitória eles obtiveram, deixaram para nós um legado absolutamente crucial, de pequenos avanços, que nos permite insurgir a todo esse estado de coisas pernicioso conscientes de que não nos calaremos, e seguiremos defendendo éticas e estéticas que sejam inclusivas.

Enfim, a transfobia recreativa pode até continuar sendo televisionada, entretanto não se poderá mais, impunemente, “passar pano” para ela.


* Jaqueline Gomes de Jesus é psicóloga, professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro e da Fundação Oswaldo Cruz. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Autora dos livros “Transfeminismo: Teorias e Práticas” e “Homofobia: Identificar e Prevenir”.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

II SEMINÁRIO VISIBILIDADE TRANS DO IFRJ BELFORD ROXO - 2022


II SEMINÁRIO VISIBILIDADE TRANS DO IFRJ BELFORD ROXO - 2022
27 de janeiro de 2022 (quinta-feira), das 14h às 19h

29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, uma data que referencia o lançamento da  campanha Travesti e Respeito, promovida pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, em 2004, e que visa a promover reflexões sobre a cidadania da população trans (composta por pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascimento, como travestis, mulheres trans, homens trans, pessoas transmasculinas e não-binárias).

Nas últimas décadas observamos avanços para uma visibilidade mais positiva e o reconhecimento da cidadania das pessoas trans. Entre elas destacamos o reconhecimento por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal, em 1º de março de 2018, do direito de pessoas trans alterarem o nome e o sexo no registro civil sem necessidade de se submeterem a cirurgias ou a processos judiciários, podendo essa retificação ser efetuada diretamente em cartório.

Entretanto, o Brasil ainda é o país que mais registra assassinatos de pessoas trans no mundo, principalmente mulheres trans e travestis, o que configura feminicídio, ao mesmo tempo em que a maioria delas só encontra trabalho na informalidade, especialmente na prostituição, e o consumo de pornografia relacionada aos corpos trans é dos maiores do mundo. Há que se pensar sobre objetificação, mas também sobre alianças e representatividade: você costuma ver pessoas trans como protagonistas em produções audiovisuais? Convive com pessoas trans? Estuda com elas? Trabalha com elas? Lê o conhecimento produzido por pessoas trans?

Dando continuidade ao primeiro seminário sobre visibilidade trans do Instituto Federal do Rio de Janeiro – IFRJ campus Belford Roxo, realizado em 27 de outubro de 2017, que abordou o tema da despatologização das identidades, NEABI - Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas, NDIVAS Marielle Franco - Núcleo de Gênero e Diversidades (NUGEDS) e NAPNE - Núcleo de Apoio a Pessoas com Necessidades Específicas realizarão o II SEMINÁRIO VISIBILIDADE TRANS DO IFRJ BELFORD ROXO, em 27 de janeiro de 2022, quinta-feira, das 14h às 19h.

O seminário será gratuito e certificado, com transmissão online pelo Youtube IFRJ Belford Roxo: https://tinyurl.com/4y4db547 (ative o lembrete). Os palestrantes – entre eles familiares e parceiros/as de pessoas trans, lideranças, pesquisadores de diversas instituições e autoridades – aprofundarão o debate sobre a realidade e as demandas da população nas seguintes mesas: “Amorosidade e Parcerias: A Força do Afeto”, “Nossa Luta é Todo Dia: contra o Racismo, o Capacitismo e a Transfobia”, “Uma Sobe e Puxa a Outra: Mulheridades Vencendo o Patriarcado” e “Transmasculinidades: Ativismo Intelectual na Academia e nas Ruas”, seguidas de debate com o público.

Também haverá lançamento de publicações inéditas, como o livro “Transmasculinidades Negras - Narrativas plurais em primeira pessoa” (Ciclo Contínuo Editorial), com os organizadores Bruno Santana, Vércio Gonçalves Conceição e Leonardo Morjan Britto Peçanha; e o dossiê “Mundo do trabalho, educação profissional e identidade de gênero” (Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica - RBEPT), com as organizadoras Ilane Ferreira Cavalcante, Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti e Jaqueline Gomes de Jesus.

PROGRAMAÇÃO

Data: 27/01/2022, quinta-feira

14h: Cerimônia de Abertura
Saudações (máx. 4 minutos de fala individual): Diretor Geral Márcio Franklin Oliveira, Diretora de Ensino Rosi Marina Rezende, Diretor Administrativo Fábio Pires Viana, Coordenadora do NAPNE Profa. Gabriela Sousa Ribeiro,  Coordenadora do NDIVAS Profa. Lívia de Meira Lima Paiva, Coordenadora do NEABI Profa. Jaqueline Gomes de Jesus e Reitor do IFRJ Rafael Almada.

14h30: Mesa 1 – Amorosidade e Parcerias: A Força do Afeto
Palestrantes (10 minutos de fala individual):
Ivoni Conceição Campos Santos, mãe do Demétrio Campos Santos, ator, modelo, dançarino (in memoriam).
Gustavo Cavalcanti, pai da Maria Joaquina, patinadora.
Yuna Santana, cantora e graduanda em Direito, e Theo Brandon, graduando em Medicina, pais do Dionísio Santana Brandon.
Mediadora: Jaqueline Gomes de Jesus
Debate da Mesa 1 (20 minutos)

15h30: Mesa 2 – Nossa Luta é Todo Dia: contra o Racismo, o Capacitismo e a Transfobia
Palestrantes (10 minutos de fala individual):
Luana Rayalla, bibliotecária.
Walleria Suri, consultora em diversidade.
Alessandra Ramos Makeda, presidenta do Instituto TransFormar Shélida Ayana.
Mediadora: Gabriela Sousa Ribeiro
Debate da Mesa 2 (20 minutos)

16h30: Mesa 3 – Uma Sobe e Puxa a Outra: Mulheridades Vencendo o Patriarcado
Palestrantes (10 minutos de fala individual):
Jaqueline Gomes de Jesus, professora de Psicologia e presidenta da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura.
Viviane Vergueiro, oficial de programa do Fundo Internacional Trans e doutoranda em Gênero, Mulheres e Feminismos.
Mediadora: Lívia de Meira Lima Paiva
Debate da Mesa 3 (20 minutos)

17h30: Mesa 4 – Transmasculinidades: Ativismo Intelectual na Academia e nas Ruas
Palestrantes (10 minutos de fala individual):
Bruno Santana, professor de Educação Física.
Vércio Gonçalves Conceição, professor de Letras e doutorando em Letras. 
Guilherme Silva de Almeida, professor de Serviço Social.
Mediador: Leonardo Morjan Britto Peçanha, professor de Educação Física e doutorando em Saúde Coletiva.
Debate da Mesa 4 (20 minutos), com lançamento do livro “Transmasculinidades Negras - Narrativas plurais em primeira pessoa” (Ciclo Contínuo Editorial), com Bruno Santana, Vércio Gonçalves Conceição e Leonardo Morjan Britto Peçanha (organizadores).

18h30: Lançamento do Dossiê “Mundo do trabalho, educação profissional e identidade de gênero” (Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica - RBEPT), com as organizadoras Ilane Ferreira Cavalcante (IFRN), Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti (IFPA) e Jaqueline Gomes de Jesus.

19h: Encerramento do Seminário


Realização:

IFRJ campus Belford Roxo
NEABI - Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas
NDIVAS Marielle Franco - Núcleo de Gênero e Diversidades (NUGEDS)
NAPNE - Núcleo de Apoio a Pessoas com Necessidades Específicas

domingo, 2 de janeiro de 2022

A Cultura como Resistência do Povo Trans


A CULTURA COMO RESISTÊNCIA DO POVO TRANS
Jaqueline Gomes de Jesus

Originalmente publicado como prefácio do livro "Coletânea da Academia Transliterária" (Belo Horizonte: Marginália Editora, 2019)


O meu corpo não é objeto,
sou revolução
(Éle Semog, 1998, p. 57).

Escrever. Essa é uma experiência recente, em termos históricos, para o coletivo da população trans que vivencia a transfobia estrutural da sociedade brasileira. Obviamente que muitas pessoas trans sempre escreveram, porém eram muito exíguas em número, dado que uma das características da transfobia brasileira é a exclusão do povo trans do ambiente escolar, da educação formal, mesmo após esse direito ter sido garantido pela Constituição Federal desde 1988.

Apesar desta violência institucional, essa mesma população trans, estigmatizada e vilipendiada de seus direitos fundamentais, ao longo dos séculos construiu uma cultura rica e elaborada sobre si e sobre o corpo. Apesar de toda violência psicológica e física, representada significativamente pela repressão e perseguição policial, ou dos falsamente chamados de “justiceiros”, ela criou uma linguagem própria, afro-centrada, aliás, o Pajubá (ou Bajubá, como falam em algumas regiões do país), principalmente do banto ouvido nos terreiros de candomblé que as receberam.

Ante à negativa do domínio da linguagem escrita, ou da sua exposição no mainstream do mercado publicitário da literatura, foi desenvolvida toda uma oralitura pelo povo trans.

Como lhes foi recusada a inclusão plena na sociedade brasileira, a formação de uma identidade social trans não se deu no mundo do trabalho formal, não se deu em escolas, ela se deu por meio da cultura que as mais antigas travestis começaram a pensar, desenhar e performar nas casas de prostituição, nas ruas, e chegando, em alguns momentos, às casas de espetáculo, às boates, aos teatros, até. Pelos shows de transformismo (posteriormente anglicizados como apresentações de drag queens), bailes e espetáculos de travestis do século XIX, presença cativa nos carnavais e isolada no resto do ano, que teve seu auge nos anos 60 do século XX, com divas como Brigitte de Búzios, Camille K, Cláudia Celeste, Divina Aloma, Divina Valéria, Eloína dos Leopardos, Fujika de Halliday, Jane Di Castro, Marquesa, Rogéria e outras, chegando às elaboradíssimas performances multimídias de uma artista como Cláudia Wonder. Fontes primeiras de formas de expressão de si que incluem, mas vão muito além, do corrente sucesso nacional e global das cantoras drag dissidentes de gênero, que não são necessariamente trans, como Aretuza Lovi, Glória Groove, Kaya Conky, Lia Clark e, destacadamente, Pablo Vittar.

E não são só elas. Outras cantoras e grupos como As Bahias e a Cozinha Mineira, Liniker, Linn da Quebrada, Jup do Bairro, Pepita (a qual lançou um livro no qual reúne os ótimos conselhos que oferece a seguidores do seu canal no instagram), Mc Xuxu e outros têm se destacado aquém do transformismo, e reelaborado identidades trans e libertações dos estereótipos de gênero. Tudo isso é Brasil. As pessoas trans também são Brasil.

Nada disso foi concessão, mas conquista histórica de geração após geração da população trans, no caminho para a construção de uma comunidade.

Lamentalvemente rotulada como simplesmente “entretenimento”, a cultura trans tem sido alvo de ridicularização, senão de escárnio, porém, concomitantemente, foi por muito tempo apropriada por outros e invisibilizada de sua dimensão especialmente integrada à consolidação de um grupo constituído pela identidade de gênero daqueles que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando nasceram. Foi por meio de sua cultura que as pessoas trans conseguiram formar laços e sobreviver ante a toda forma de matança que vêm sofrendo.

Alguém ainda há de estudar mais aprofundadamente as velhas revistas pornôs como uma brecha para a expressão das individualidades das travestis e mulheres trans, entre toda a objetificação do seu corpo.

Mesmo aquelas pessoas sobreviventes que escrevem, identificadas enquanto travestis, mulheres trans ou homens trans, continuam não sendo reconhecidas, não sendo lidas adequadamente, não sendo citadas devidamente. Causa muito impacto às mentalidades centradas na cisgeneridade, enquanto padrão de humanidade, observar a produção de conhecimento da população trans: de fato valorizar o que pensamos e escrevemos, sem nos exotificar, é um desafio que se tem apontado cada vez mais.

Como eu escrevi brevemente em “Nascimentos em Livro” (prefácio de “Vidas Trans”, que relata parte da vida e lutas dos meus amigos Amara Moira, Márcia Rocha, Tarso Brant e João W. Nery), tendo bastante em conta a minha própria experiência, como pensadora, professora, acadêmica, intelectual-ativista, como costumo me referenciar (indico aqui a leitura do capítulo sobre transfeminismo, escrito por Helena Vieira e Bia Pagliarini Bagagli, para o livro “Explosão Feminista”, a fim de conhecer mais detalhadamente essa forma de me identificar):

“Mas quem ouve a pessoa trans? – Age-se como se não falássemos. Quem a lê? – Age-se como se não escrevêssemos... É contumaz que terceiros (geralmente cis) falem por nós, iniquamente, sem considerar nossos pontos-de-vista, nossa visão de mundo, nosso protagonismo em todas as suas expressões” (Jesus, 2017, p. 7).

Temos também uma tradição na Literatura, especialmente no que se refere às biografias. O livro “Viagem Solitária”, do saudoso João W. Nery, foi o maior exemplar dela, com impactos na cultura geral, com destaque para a teledramaturgia (a novela “A Força do Querer”); antecedido por autores como Anderson Herzer, o Bigode: “A Queda para o Alto”; Ruddy Pinho e suas várias obras premiadas, como “Nem Tão Bela, Nem Tão Louca”; e Fernanda Farias de Albuquerque, cujo depoimento foi recolhido pelo homem cis Maurizio Jannelli, das Brigadas Vermelhas italianas, no livro “A Princesa”. Mais recentemente, com a assunção dos bloggers, vloggers, youtubers e outros comunicadores que se utilizam dos recursos da internet, tivemos a publicação de livros nessa linha, como o “Meu Nome é Amanda”.

A nova frente é a de antologias de autores trans, da qual este valoroso livro da Academia Transliterária participa! É uma alternativa para enfrentarmos os problemas de distribuição para as nossas publicações: organizarmos elas coletivamente. Destaco aqui a coletânea “Nós Trans”, da qual participo, e “Antologia Trans”, entre outras.

Nessa longa – tantas vezes incógnita – trajetória, o saber-fazer da população trans tem ocupado novos lugares, falado de si para além dos guetos, escrito também, e potentemente publicado, superando a exotificação, como aqui, para o nosso empoderamento, e também para a humanização das pessoas cis.

Referências Bibliográficas

Albuquerque, F. F. & Jannelli, M. (1995). A Princesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Cursinho Popular Transformação. (2017). Antologia Trans: 30 poetas trans, travestis e não-binários. São Paulo: Invisíveis Produções.

Guimarães, A. (2016). Meu Nome é Amanda. Rio de Janeiro: Fábrica231.

Grupo Transcritas Coletivas. (2017). Nós Trans: escrevivências de resistência. Belo Horizonte: Litera Trans.

Herzer, A. B. (1982). A Queda para o Alto. Petrópolis: Vozes.

Jesus, J. G. (2017). Nascimentos em Livro. Em: A. Moira, J. W. Nery, M. Rocha & T. Brant (Orgs.), Vidas Trans (pp. 7-8). Bauru, SP: Astral Cultural.

Moreira, L. I. (2018). Vozes Transcendentes: os novos gêneros na música brasileira. São Paulo: Hoo.

Nery, J. W. (2011). Viagem Solitária: memórias de um transexual trinta anos depois. São Paulo: Leya.

Pepita, M. (2019). Cartas pra Pepita. São Paulo: Monocó Literatura LGBTQ+.

Pinho, R. (2008). Nem Tão Bela, Nem Tão Louca. Rio de Janeiro: Nova Razão Cultural.

Semog, E. (1998). Dançando negro. Em: E. Ribeiro & M. Barbosa (Orgs.), Cadernos negros: melhores poemas (p. 57). São Paulo: Quilombhoje Literatura.

Vieira, H. & Bagagli, B. P. (2018). Transfeminismo. Em: H. B. Hollanda (Org.), Explosão Feminista: arte,cultura, política e universidade (pp. 343-378).São Paulo: Companhia das Letras.

Wonder, C. (2008). Olhares de Cláudia Wonder: crônicas e outras histórias. São Paulo: Edições GLS.