sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

NÓS SOMOS A NEBLINA


Nós Somos a Neblina

Filme inspirado no prefácio escrito por Jaqueline Gomes de Jesus entre os bairros da Glória e de Santa Teresa, Rio de Janeiro, entre junho e setembro de 2021, inverno ao sul da Abya Yala (América), para o livro "Performatividade Transgênera: equações poéticas de reconhecimento recíproco na recepção teatral", de Dodi Leal (Hucitec, 2021).

Texto adaptado e gravado na cidade de Porto Seguro, em novembro de 2021, costas de Pindorama (Brasil).

Todo amor e solidariedade ao nosso povo baiano e brasileiro: seguiremos resistindo!

FICHA TÉCNICA

Texto: Jaqueline Gomes de Jesus
Atuações: Dodi Leal e Jaqueline Gomes de Jesus
Concepção: Dodi Leal
Direção: Gau Saraiva


#neblina #resistência #ancestralidade #brasil #decolonialidade #interseccionalidade #desejo #transformação #filme #curta #lyricvideo #negritude #negra #trans #transgênero #travesti #lgbt #brasilidade #bahia #portoseguro

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O Que é Psicologia?

Psicologia - Jaqueline Gomes de Jesus - Escolar Editora

🤔 O QUE É PSICOLOGIA?
Fátima Rodrigues, Palmira Fortunato dos Santos, Jaqueline Gomes de Jesus
Lisboa, Portugal: Escolar Editora (2021)

Acabou de ser lançado em Portugal meu novo livro, mais uma produção transatlântica pela Coleção Cadernos de Ciências Sociais, em parceria com as colegas portuguesa Fátima Rodrigues e moçambicana Palmira Fortunato dos Santos, sob as bençãos do saudoso professor Carlos Serra, que nos deixou em 2019. 🙏🏾

Como eu explico no capítulo "Funções da Psicologia na Sociedade do Conhecimento", a história da nossa ciência-profissão tem sido pautada por uma ânsia pelo controle, pela colonização dos corpos, pela patologização: "Do pecado ao crime. Do crime à doença". Na contemporaneidade, felizes, mais psicólogas/os são críticas/os à instrumentalidade política da Psicologia em sua institucionalização acadêmica tão eurocêntrica e "norte-americano-cêntrica".

Este livro é um sobrevivente de muitos percalços, mas resistiu, e eu o ofereço à memória do inesquecível Carlos Serra! Como ele dizia: "Muito obrigado, que a saúde esteja consigo, ABRAÇO ÍNDICO"! 😢🙌🏽❤️

📙Link para a loja virtual da Escolar Editora: https://escolareditora.com/store/product/0/139119/que-e-psicologia-o

#psicologia #ciência #profissão #contemporaneidade #livro #gratidão

domingo, 26 de dezembro de 2021

Perguntas de uma Macumbeira sobre o Natal

PERGUNTAS DE UMA MACUMBEIRA SOBRE O NATAL
Jaqueline Gomes de Jesus

Escribas leram a profecia, nenhum foi a Belém.
Os Reis Magos, astrólogos migrantes,
Deram ouro para a realeza, incenso para a divindade
E mirra para a pessoa que viria a morrer.
Por que os estudiosos não visitaram o estábulo?

Maria era uma sofrida garota da Palestina,
Mal devia ter treze anos quando pariu Jesus.
A manjedoura fedia a urina e fezes dos animais.
Onde está a cor da pele e a placenta da mãe
Nos presépios assépticos que são hoje montados?

Herodes ordenou que as crianças fossem mortas.
Quem lembra do sangue dos inocentes,
Quando finge ser Papai Noel, roga a Deus
Por carros, roupas, emprego, família,
Mas vota para que um Herodes ocupe o palácio?

Perguntas de quem sabe que um Deus Menino
Representa a vida que se renova como amor
Pulsando desde párias, excluídos, escravizados.
Apesar do recalque dos donos da verdade
Que odeiam vê-lo livre sob estrelas e nos corpos.

*

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Dossiê “Mundo do trabalho, educação profissional e identidade de gênero”

Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica (RBEPT)
Dossiê “Mundo do trabalho, educação profissional e identidade de gênero”
Organizadoras: Ilane Ferreira Cavalcante, Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti, Jaqueline Gomes de Jesus

Acesso ao dossiê em https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/RBEPT/issue/view/203



Nem Só Azul e Rosa: Diversidade Sexual e de Gênero na Educação Profissional e Tecnológica
Robelania dos Santos Gemaque, Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti, Jaqueline Gomes de Jesus

RESUMO
O acesso e a permanência de discentes e trabalhadores da educação fora dos modelos heteronormativos e cisnormativos são preocupações cada vez mais presentes na Educação Profissional e Tecnológica. O presente artigo propõe uma análise contextualizada, a partir de estudo realizado na Escola Estadual Tecnológica Professor Francisco das Chagas Ribeiro de Azevedo EETEPA-CACAU-ICOARACI, que teve como objetivo construir uma prática educativa sobre Gênero e Sexualidade no Ensino Médio Integrado. Conclui-se que a importância dada a Gênero e Sexualidade não é necessariamente acompanhada de práticas que rompam silenciamentos ou tentativas de homogeneizar diferentes identidades de gênero e orientações sexuais no cotidiano escolar.

Palavras-chave: Práticas educativas; gênero e sexualidade; educação profissional e tecnológica; heteronormatividade; cisnormatividade.




quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Vocês, Os Perversos! - Poema de Jaqueline Gomes de Jesus

 Orfeu e as Bacantes, de Gregorio Lazzarini (Óleo sobre tela, 1710).



VOCÊS, OS PERVERSOS!

Jaqueline Gomes de Jesus

Um poema inspirado em Lélia Gonzales, Maya Angelou e Glória Anzaldúa.


À memória de Xica Manicongo e todas transcestrais.


Aquela preta só tinha o vaso traseiro,

Eu não podia fazer nela minha cria

Não podia me dar prole pro meu lucro futuro.

De que vale uma peça que não procria?

Nem vou te chamar de mulher: Quimbanda!

Rebolando pra vender sapatos pro seu dono.

Abaixa a cabeça! Eu te como e cuspo,

Só vales pra foder! A Lei protege o bom cristão.


Aquilo virou puta, não mais vende sapatos.

Os meninos gargalham e lhe chamam pelo nome: Travesti!

Jogam bosta porque são calmos, senão linchavam:

Vou dar uma arma pra eles virarem homens.

Volta pro quarto escuro, sai da luz do dia!

Anoiteceu, você pode cantar neste palco pra mim.

Não se atreva a pisar na rua em vestido de mulher.

Engane os outros, mas quem decide é a gente de bem.


A polícia chegou - aplausos! Ela corta os pulsos - aidética.

Quem apavora as famílias? Vocês, os perversos!

Quem teria coragem de andar com você, sendo triste assim?

Quem poderia lhe amar, sendo tão agressiva?

Quem poderia confiar em você, sendo tão doce e risonha?

Entra no camburão, lava a delegacia, dá e alivia quem te quiser.

Hoje só vai apanhar, amanhã vão te matar,

Limpar as calçadas para que passem esses cidadãos de bem.


Como alguns conseguiram viver fora das paredes com as quais lhes aprisionamos?

Vocês não podem ter alegria, amor, o bom é você apanhar.

Não contamine seu dono, ele sempre mete sem dó.

Estão tentando estudar conosco? Mas vocês são o objeto!

Uma de vocês até começou a dar aula - como deixaram?

Que tempos são estes em que o lixo fala, e numa boa?

Saia do banheiro das meninas, entre neste pra ter surra ou curra!

Fora da escola, do hospital, da casa de família de bem!


Vou te pôr no seu lugar. Grito: Travesti!

Você me afronta: TRAVESTI, SIM! Diz que vou pra cadeia.

Vou te diagnosticar. Escrevo no laudo: TRANSEXUAL!

Você me afronta: TRANSEXUAL, SIM! E escreve meu laudo.

Mas quem decidirá sou eu! Grito pra cada um: Homem! Mulher!

Vocês desmentem: NÃO, MULHER! NÃO, HOMEM! NÃO BINÁRIO!

Agora são vocês que querem decidir, chamam a si mesmos de TRANS.

E o horror: chamam a si mesmos pelos nomes que bem lhes convier!


Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 2021.

domingo, 10 de outubro de 2021

EL TRABAJO LOS HARÁ HOMBRES



Jaqueline Gomes de Jesus

Professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (FIOCRUZ) e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro


"EL TRABAJO LOS HARÁ HOMBRES", tal dizer ficava em uma placa em um dos campos de reeducação que existiram em Cuba entre 1965 e 1967.

Esse campo de trabalho forçado era exclusivo para homens homossexuais. Há relatos de ex-internos de que lhes eram aplicadas técnicas de condicionamento comportamental:

Levavam choques ou recebiam aplicações de insulina quando expostos a fotos de homens nus, e recebiam comida enquanto eram exibidos filmes de sexo heterossexual, o que se enquadra nas infames, antiéticas e falaciosas "terapias de reorientação sexual", ou "cura gay" que são deploravelmente defendidas e aplicadas ilegalmente em comunidades terapêuticas e clínicas Brasil afora, com aval ou patrocínio de políticos.

Muito mudou em Cuba, na relação do governo com a diversidade sexual e de gênero, desde então. Se Fidel Castro afirmou, em 1965, sobre a homossexualidade que "um desvio dessa natureza rompe com a ideia que temos sobre o que um militante comunista deve ser", desde 1989 o Centro Nacional de Educación Sexual (CENESEX), sob o comando de sua filha Mariela Castro, desenvolve um trabalho extraordinário de pesquisa, educação sobre gênero e sexualidade e mudança cultural em prol da valorização das orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas, que eu desejo muito conhecer, por em vários aspectos ser mais efetivo em suas intervenções que as políticas voltadas à  população LGBTI+ puramente formais, pautadas na cooptação de lideranças ou marqueteiras que costumamos ver aqui no Brasil, cada vez mais pautadas pela lógica individualista neoliberal, aliada do fundamentalismo religioso e do milicianismo em prol da concentração de renda.

Este Brasil cada vez mais estúpido é alimentado por leituras desestoricizadas (tudo é novidade), competitivas (todos são os primeiros em algo) e anacrônicas sobre o que nós e outros povos viveram.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Dia da Psicologia

27 de Agosto de 2021: hoje fazem 59 anos da minha #profissão regulamentada no Brasil! #59DiadaPsicologia

#orgulho de ser #psicóloga!

Parabéns a todes colegas psicólogas/os/es! 👏🏾

#psicologia #ciência #educação #pesquisa #saúde #direitoshumanos #diversidade #ética #história


quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Textão como um subgênero da auto-ajuda

TEXTÃO COMO UM SUBGÊNERO DA AUTO-AJUDA

Jaqueline Gomes de Jesus


Os últimos anos têm sido difíceis demais para todos nós. Estamos cansados, feridos, muitos caíram no caminho... Confesse: tem sido uma luta diária dormir e acordar, não é mesmo? Aí você acessa a internet para se depara: com a habilidade de uso das palavras e de interpretação de texto e mundo das pessoas cada vez mais debilitada e dependente do juízo dos outros; com a heroicização da mediocridade; com a ignorância sistemática de comunidades sobre as próprias raízes. Como se desativa o whatsapp por um tempo?

Os olhos ardem. A cabeça dói. As pernas formigam; os prazos se tornaram cada vez mais curtos, os computadores entram em obsolescência programada, a indústria cultural nos divertia e agora instrúi, o plágio se tornou tão vulgar que estão copiando até episódios pessoais que você relata nas suas redes sociais, mudança climática e miséria avançam, "siga estas fórmulas para produção de conteúdo". A lógica produtivista é um dos sintomas psicossociais do capitalismo, que nos transforma em mercadorias e literalmente nos consome. Nessas horas as pessoas sensatas pensam: "Ainda bem que não tenho uma arma em casa".

Daí eu me lembro que poderia ter sido assassinada na infância, mas sobrevivi e frutifiquei: se eu fizesse ou não fizesse algo, dissesse ou não dissesse algo, era tudo apontado como ruim, risível ou desinteressante pelos outros. Fui algumas vezes abandonada ou preterida. Machucou, sim, mas o que fiz? Continuei fazendo e dizendo. Entrou por um ouvido, aproveitei o que valia a pena, mandei "se fuder" quando precisavam para evoluírem e muitas vezes deixei sair pelo outro ouvido, quando concluí que o silêncio é fundamental quando constatamos que boa parte das pessoas não lhe ouvem realmente.

Cá estou, viva, apesar de tudo. Tenho experiência de 43 anos em escalar pedras e plantar flores mundo afora, parafraseando aqui Cora Coralina. Então, minha dica bem didática e direta é mandar um foda-se e fazer, pois você sofrerá críticas de qualquer maneira, principalmente quando você não está no padrão de humano idealizado pela sociedade excludente que vivemos.

Você é uma pessoa maravilhosa, faça o que for possível, sem negar a sua própria paz, o próprio ócio, a própria raiva (que a sua ira não lhe afogue em ódio), os próprios amores (que sua paixão não lhe aliene). Isso não significa que tudo que você cria é excelente, infalível, mas que pode melhorar. Ainda estamos vivos para resistirmos, e oxalá nos insurgirmos.

Jaqueline Gomes de Jesus

terça-feira, 13 de julho de 2021

INCÊNDIOS

JAQUELINE GOMES DE JESUS

Psicóloga, professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.


Morta Roberta Silva, aos 33 anos, em 9 de julho de 2021. A causa mortis foi insuficiência renal e respiratória, alguns dias após ter os dois braços amputados, dado o suplício a que foi submetida na madrugada de 24 de junho, durante o Mês do Orgulho LGBTI+, no centro do Recife, quando um adolescente a queimou viva. Ele foi apreendido e cumpre medida socioeducativa. Roberta era uma mulher trans vivendo nas ruas.

Eu poderia ter escrito este artigo tão-somente como um lamento pela atrocidade a que Roberta foi submetida, porém este não foi um único incêndio, talvez nem seja o último: eu me lembro do Galdino Jesus dos Santos, também queimado vivo, aos 45 anos, na madrugada de 20 de abril de 1997, após o Dia do Índio, no centro de Brasília, por cinco jovens que, ao avistarem aquele homem indígena, da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, deitado em uma parada de ônibus, resolveram, nas palavras deles, fazer uma “brincadeira”, dando-lhe um “susto”.

Os assassinos de Galdino foram julgados e condenados em 2001, atualmente são servidores públicos. Neste país onde nem todas as vidas importam, as desigualdades de classe têm cor, etnia, gênero, sexualidade, origem geográfica. As castas daqui são travestis, indígenas, negras, têm a calçada por casa.

É recorrente, no Brasil, que pessoas em situação de rua sejam assassinadas com o uso de fogo, o que lembra, de alguma forma, os autos de fé da Inquisição. Juízes e carrascos se confundem nestas terras desde que, em 1614, acusaram o Tupinambá Tibira de sodomia e o amarraram à boca de um canhão, no centro de São Luís, que foi disparado.

Este não é somente um obituário para os incendiados, muito menos um libelo punitivista. Eu escrevo como quem abre uma janela para a paisagem que nos cerca, mas de tanto observar esse cenário, diante de tanta dor, muita gente não quer mais ver, ou fica dessensibilizada, diante das florestas seguem sendo incendiadas, das chacinas no Rio de Janeiro, das centenas de milhares de brasileiros sucumbiram à COVID-19, das execuções de nossos representantes, como Marielle Franco, que seguem impunes.

Todas essas mortes poderiam ter sido evitadas, se o Estado não fosse comandado por parcelas da sociedade falaciosamente crentes de que suas concepções discriminatórias lhes conferem uma natureza superior às demais pessoas e espécies.

Se aprender significa mudar, as elites brasileiras, com a sua mentalidade colonizada, não aprenderam nada com os séculos de extermínio, escravidão e censura que infligiram ao nosso povo. Qualquer educação que lhes ensine uma lição diferente torna-se perigosa. Qualquer arte que retrate outros mundos possíveis é taxada de subversiva.

Ante às inversões da opressão disfarçada de normalidade, chega a ser um posicionamento ético repudiar qualquer desejo de retorno ao que vivíamos antes da pandemia, com vistas a um “novo normal”. Muito ao contrário, provavelmente deveríamos advogar o anormal, trabalhar para continuarmos sendo rotuladas como pessoas perigosas e subversivas, frente aos chamados “cidadãos de bem” com suas tradições: cultura do estupro, feminicídio, linchamento e queimas de arquivo.

A pergunta “Quantos mais têm que morrer?” não perturba os algozes, seus cúmplices e os apáticos. O grito incisivo de “Parem de nos matar!”, nestes tempos, soa quase como uma oração. Resta-nos exigir que as instituições nos defendam, alimentarmos a esperança de sobreviver e, como num sonho, à vista da escultura de Siron Franco que representa a morte de Galdino pelo fogo e uma pomba da paz; ou no Cais de Santa Rita, onde Roberta foi queimada; oxalá encontrar quem ainda partilha conosco alguma humanidade, e com este alguém nos comprometer que a gente fará o possível para continuar viva.