Lugar para percepções, ideias e análises a partir de uma visão pessoal, científica e profissional: uma janela, da minha perspectiva, para o mundo. ~o~ Place for perceptions, ideas and analysis from a personal, scientific and professional view: a window, from my perspective, to the world.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2021
NÓS SOMOS A NEBLINA
quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
O Que é Psicologia?
domingo, 26 de dezembro de 2021
Perguntas de uma Macumbeira sobre o Natal
Escribas leram a profecia, nenhum foi a Belém.
Os Reis Magos, astrólogos migrantes,
Deram ouro para a realeza, incenso para a divindade
E mirra para a pessoa que viria a morrer.
Por que os estudiosos não visitaram o estábulo?
Maria era uma sofrida garota da Palestina,
Mal devia ter treze anos quando pariu Jesus.
A manjedoura fedia a urina e fezes dos animais.
Onde está a cor da pele e a placenta da mãe
Nos presépios assépticos que são hoje montados?
Herodes ordenou que as crianças fossem mortas.
Quem lembra do sangue dos inocentes,
Quando finge ser Papai Noel, roga a Deus
Por carros, roupas, emprego, família,
Mas vota para que um Herodes ocupe o palácio?
Perguntas de quem sabe que um Deus Menino
Representa a vida que se renova como amor
Pulsando desde párias, excluídos, escravizados.
Apesar do recalque dos donos da verdade
Que odeiam vê-lo livre sob estrelas e nos corpos.
*
sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
Dossiê “Mundo do trabalho, educação profissional e identidade de gênero”
Dossiê “Mundo do trabalho, educação profissional e identidade de gênero”
Robelania dos Santos Gemaque, Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti, Jaqueline Gomes de Jesus
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
Vocês, Os Perversos! - Poema de Jaqueline Gomes de Jesus
Orfeu e as Bacantes, de Gregorio Lazzarini (Óleo sobre tela, 1710).
VOCÊS, OS PERVERSOS!
Jaqueline Gomes de Jesus
Um poema inspirado em Lélia Gonzales, Maya Angelou e Glória Anzaldúa.
À memória de Xica Manicongo e todas transcestrais.
Aquela preta só tinha o vaso traseiro,
Eu não podia fazer nela minha cria
Não podia me dar prole pro meu lucro futuro.
De que vale uma peça que não procria?
Nem vou te chamar de mulher: Quimbanda!
Rebolando pra vender sapatos pro seu dono.
Abaixa a cabeça! Eu te como e cuspo,
Só vales pra foder! A Lei protege o bom cristão.
Aquilo virou puta, não mais vende sapatos.
Os meninos gargalham e lhe chamam pelo nome: Travesti!
Jogam bosta porque são calmos, senão linchavam:
Vou dar uma arma pra eles virarem homens.
Volta pro quarto escuro, sai da luz do dia!
Anoiteceu, você pode cantar neste palco pra mim.
Não se atreva a pisar na rua em vestido de mulher.
Engane os outros, mas quem decide é a gente de bem.
A polícia chegou - aplausos! Ela corta os pulsos - aidética.
Quem apavora as famílias? Vocês, os perversos!
Quem teria coragem de andar com você, sendo triste assim?
Quem poderia lhe amar, sendo tão agressiva?
Quem poderia confiar em você, sendo tão doce e risonha?
Entra no camburão, lava a delegacia, dá e alivia quem te quiser.
Hoje só vai apanhar, amanhã vão te matar,
Limpar as calçadas para que passem esses cidadãos de bem.
Como alguns conseguiram viver fora das paredes com as quais lhes aprisionamos?
Vocês não podem ter alegria, amor, o bom é você apanhar.
Não contamine seu dono, ele sempre mete sem dó.
Estão tentando estudar conosco? Mas vocês são o objeto!
Uma de vocês até começou a dar aula - como deixaram?
Que tempos são estes em que o lixo fala, e numa boa?
Saia do banheiro das meninas, entre neste pra ter surra ou curra!
Fora da escola, do hospital, da casa de família de bem!
Vou te pôr no seu lugar. Grito: Travesti!
Você me afronta: TRAVESTI, SIM! Diz que vou pra cadeia.
Vou te diagnosticar. Escrevo no laudo: TRANSEXUAL!
Você me afronta: TRANSEXUAL, SIM! E escreve meu laudo.
Mas quem decidirá sou eu! Grito pra cada um: Homem! Mulher!
Vocês desmentem: NÃO, MULHER! NÃO, HOMEM! NÃO BINÁRIO!
Agora são vocês que querem decidir, chamam a si mesmos de TRANS.
E o horror: chamam a si mesmos pelos nomes que bem lhes convier!
Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 2021.
domingo, 10 de outubro de 2021
EL TRABAJO LOS HARÁ HOMBRES
Jaqueline Gomes de Jesus
Professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (FIOCRUZ) e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
"EL TRABAJO LOS HARÁ HOMBRES", tal dizer ficava em uma placa em um dos campos de reeducação que existiram em Cuba entre 1965 e 1967.
Esse campo de trabalho forçado era exclusivo para homens homossexuais. Há relatos de ex-internos de que lhes eram aplicadas técnicas de condicionamento comportamental:
Levavam choques ou recebiam aplicações de insulina quando expostos a fotos de homens nus, e recebiam comida enquanto eram exibidos filmes de sexo heterossexual, o que se enquadra nas infames, antiéticas e falaciosas "terapias de reorientação sexual", ou "cura gay" que são deploravelmente defendidas e aplicadas ilegalmente em comunidades terapêuticas e clínicas Brasil afora, com aval ou patrocínio de políticos.
Muito mudou em Cuba, na relação do governo com a diversidade sexual e de gênero, desde então. Se Fidel Castro afirmou, em 1965, sobre a homossexualidade que "um desvio dessa natureza rompe com a ideia que temos sobre o que um militante comunista deve ser", desde 1989 o Centro Nacional de Educación Sexual (CENESEX), sob o comando de sua filha Mariela Castro, desenvolve um trabalho extraordinário de pesquisa, educação sobre gênero e sexualidade e mudança cultural em prol da valorização das orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas, que eu desejo muito conhecer, por em vários aspectos ser mais efetivo em suas intervenções que as políticas voltadas à população LGBTI+ puramente formais, pautadas na cooptação de lideranças ou marqueteiras que costumamos ver aqui no Brasil, cada vez mais pautadas pela lógica individualista neoliberal, aliada do fundamentalismo religioso e do milicianismo em prol da concentração de renda.
Este Brasil cada vez mais estúpido é alimentado por leituras desestoricizadas (tudo é novidade), competitivas (todos são os primeiros em algo) e anacrônicas sobre o que nós e outros povos viveram.
sexta-feira, 27 de agosto de 2021
Dia da Psicologia
#orgulho de ser #psicóloga!
Parabéns a todes colegas psicólogas/os/es! 👏🏾
#psicologia #ciência #educação #pesquisa #saúde #direitoshumanos #diversidade #ética #história
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
Textão como um subgênero da auto-ajuda
TEXTÃO COMO UM SUBGÊNERO DA AUTO-AJUDA
Jaqueline Gomes de Jesus
Os últimos anos têm sido difíceis demais para todos nós. Estamos cansados, feridos, muitos caíram no caminho... Confesse: tem sido uma luta diária dormir e acordar, não é mesmo? Aí você acessa a internet para se depara: com a habilidade de uso das palavras e de interpretação de texto e mundo das pessoas cada vez mais debilitada e dependente do juízo dos outros; com a heroicização da mediocridade; com a ignorância sistemática de comunidades sobre as próprias raízes. Como se desativa o whatsapp por um tempo?
Os olhos ardem. A cabeça dói. As pernas formigam; os prazos se tornaram cada vez mais curtos, os computadores entram em obsolescência programada, a indústria cultural nos divertia e agora instrúi, o plágio se tornou tão vulgar que estão copiando até episódios pessoais que você relata nas suas redes sociais, mudança climática e miséria avançam, "siga estas fórmulas para produção de conteúdo". A lógica produtivista é um dos sintomas psicossociais do capitalismo, que nos transforma em mercadorias e literalmente nos consome. Nessas horas as pessoas sensatas pensam: "Ainda bem que não tenho uma arma em casa".
Daí eu me lembro que poderia ter sido assassinada na infância, mas sobrevivi e frutifiquei: se eu fizesse ou não fizesse algo, dissesse ou não dissesse algo, era tudo apontado como ruim, risível ou desinteressante pelos outros. Fui algumas vezes abandonada ou preterida. Machucou, sim, mas o que fiz? Continuei fazendo e dizendo. Entrou por um ouvido, aproveitei o que valia a pena, mandei "se fuder" quando precisavam para evoluírem e muitas vezes deixei sair pelo outro ouvido, quando concluí que o silêncio é fundamental quando constatamos que boa parte das pessoas não lhe ouvem realmente.
Cá estou, viva, apesar de tudo. Tenho experiência de 43 anos em escalar pedras e plantar flores mundo afora, parafraseando aqui Cora Coralina. Então, minha dica bem didática e direta é mandar um foda-se e fazer, pois você sofrerá críticas de qualquer maneira, principalmente quando você não está no padrão de humano idealizado pela sociedade excludente que vivemos.
Você é uma pessoa maravilhosa, faça o que for possível, sem negar a sua própria paz, o próprio ócio, a própria raiva (que a sua ira não lhe afogue em ódio), os próprios amores (que sua paixão não lhe aliene). Isso não significa que tudo que você cria é excelente, infalível, mas que pode melhorar. Ainda estamos vivos para resistirmos, e oxalá nos insurgirmos.
Jaqueline Gomes de Jesus
terça-feira, 13 de julho de 2021
INCÊNDIOS
JAQUELINE GOMES DE JESUS
Psicóloga, professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Eu poderia ter escrito este artigo tão-somente como um lamento pela atrocidade a que Roberta foi submetida, porém este não foi um único incêndio, talvez nem seja o último: eu me lembro do Galdino Jesus dos Santos, também queimado vivo, aos 45 anos, na madrugada de 20 de abril de 1997, após o Dia do Índio, no centro de Brasília, por cinco jovens que, ao avistarem aquele homem indígena, da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, deitado em uma parada de ônibus, resolveram, nas palavras deles, fazer uma “brincadeira”, dando-lhe um “susto”.
Os assassinos de Galdino foram julgados e condenados em 2001, atualmente são servidores públicos. Neste país onde nem todas as vidas importam, as desigualdades de classe têm cor, etnia, gênero, sexualidade, origem geográfica. As castas daqui são travestis, indígenas, negras, têm a calçada por casa.
É recorrente, no Brasil, que pessoas em situação de rua sejam assassinadas com o uso de fogo, o que lembra, de alguma forma, os autos de fé da Inquisição. Juízes e carrascos se confundem nestas terras desde que, em 1614, acusaram o Tupinambá Tibira de sodomia e o amarraram à boca de um canhão, no centro de São Luís, que foi disparado.
Este não é somente um obituário para os incendiados, muito menos um libelo punitivista. Eu escrevo como quem abre uma janela para a paisagem que nos cerca, mas de tanto observar esse cenário, diante de tanta dor, muita gente não quer mais ver, ou fica dessensibilizada, diante das florestas seguem sendo incendiadas, das chacinas no Rio de Janeiro, das centenas de milhares de brasileiros sucumbiram à COVID-19, das execuções de nossos representantes, como Marielle Franco, que seguem impunes.
Todas essas mortes poderiam ter sido evitadas, se o Estado não fosse comandado por parcelas da sociedade falaciosamente crentes de que suas concepções discriminatórias lhes conferem uma natureza superior às demais pessoas e espécies.
Se aprender significa mudar, as elites brasileiras, com a sua mentalidade colonizada, não aprenderam nada com os séculos de extermínio, escravidão e censura que infligiram ao nosso povo. Qualquer educação que lhes ensine uma lição diferente torna-se perigosa. Qualquer arte que retrate outros mundos possíveis é taxada de subversiva.
Ante às inversões da opressão disfarçada de normalidade, chega a ser um posicionamento ético repudiar qualquer desejo de retorno ao que vivíamos antes da pandemia, com vistas a um “novo normal”. Muito ao contrário, provavelmente deveríamos advogar o anormal, trabalhar para continuarmos sendo rotuladas como pessoas perigosas e subversivas, frente aos chamados “cidadãos de bem” com suas tradições: cultura do estupro, feminicídio, linchamento e queimas de arquivo.
A pergunta “Quantos mais têm que morrer?” não perturba os algozes, seus cúmplices e os apáticos. O grito incisivo de “Parem de nos matar!”, nestes tempos, soa quase como uma oração. Resta-nos exigir que as instituições nos defendam, alimentarmos a esperança de sobreviver e, como num sonho, à vista da escultura de Siron Franco que representa a morte de Galdino pelo fogo e uma pomba da paz; ou no Cais de Santa Rita, onde Roberta foi queimada; oxalá encontrar quem ainda partilha conosco alguma humanidade, e com este alguém nos comprometer que a gente fará o possível para continuar viva.