terça-feira, 1 de março de 2011

Profana

Ao lado, ilustrando esta postagem, a capa do LP Profana (1984), de Gal Costa, que tornou conhecidas, entre outras, a canção Vaca Profana e a popularíssima Chuva de Prata.


Hoje começa o mês das mulheres (não uso o plural à-tôa, é fundamental ressaltar que somos muitas e diferentes, e não vivenciamos um único modelo de feminilidade e do ser mulher), fiz um poema sobre.


PROFANA
Jaqueline Jesus

Chorei um outro mar
Pra aprender a amar
O que fui e como sou,
Engravidou-me o que restou.

Sou filha da minha verdade,
Quem vive esse detalhe sabe
Que ser a pessoa que se sonha
É coisa rara que a alguns envergonha.

Mas vivo e não tenho medo
Dessa gente de coração azedo
Que grita, sem adular:
"Morra em qualquer lugar"!

Meu mar os mata de sede
E sua diversão é parede
Pra dor que lhes afligo
No seu calmo esconderijo.

Sou profana, porque orações
De quem adora senões
Me tiram do silêncio a companhia,
E me impõe ao lado agonia.

Sorrio e prefiro minha estranha
Coragem e dura artimanha
De dançar o que eles não escutam,
De cultivar a flor que eles amputam.

Então, reconheço que sou terrível,
Inadequada e difícil.
Aos fracos, resta em cada dia o fenecer
De ter um pouco de prazer.

E se do seu fanatismo nada entendo
É porque no peito dúvidas acendo.
Evito olhar a fundo no seu abismo
E tenho carinho pelo meu egoísmo.

Sou eu, então, quem diz que ama
Quando ama, ou que é apenas chama
Quando é chama, pois passarei como tudo,
E como todos serei um passado mudo.

Mas sei que, ao ser o seu sonho uma vez,
Se vai além desse sonho com altivez.
Porque o sonho é o melhor que se pode ser,
É mais do que cabe entre a aurora e o entardecer.

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